Rivais | 2024

Rivais | 2024

O filme mais sexy do ano?

Luca Guadagnino consegue criar e manter atmosferas muito específicas em seus filmes, que se integram com seus personagens para causar alguma sensação ou sentimento que vai permear toda a obra. Em Me Chame pelo Seu Nome (2017), por exemplo, a nostalgia veraneia dos anos 80 se mescla com a jovialidade e vida pulsante de seus protagonistas, e elementos típicos do verão, como vestimentas frescas, corpos a mostra, danças ao ar livre e pêssegos impulsionam a tensão sexual crescente que pula para fora da tela. Em Rivais, seu novo longa estreante nos cinemas, esse clima é ditado por um esporte, o tênis, que muito embora carregue uma elegância e compostura, nas mãos de Guadagnino se torna erótico: expõe corpos suados, musculosos, habilidosos e sexys, motivo de um elo que vai ligar os personagens de Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist da competição ao sexo.

Art (Mike Faist) e Patrick (Josh O’Connor) são amigos de infância que compartilham as principais descobertas da vida. Da masturbação ao tênis, os aprendizados foram trilhados em conjunto. Quando eles veem Tashi Duncan (Zendaya), uma jovem prodígio do esporte, jogando pela primeira vez, vão compartilhar um magnetismo e paixão imediatos por ela. Duncan é perfeita em cada movimento, é brutal, ágil e precisa, uma força feminina nas quadras que não hesita em transformar sua energia e concentração, seu prazer pelo esporte, em gritos e gemidos sugestivos. A competição que os amigos travam por ela logo se torna um fogo que vai vincular os três: como um vai-e-vem das bolinhas (e do sexo), os acontecimentos e a passagem do tempo afasta e une os personagens, sem que o elo, de fato, se desfaça. 

O ritmo de Rivais acompanha o ritmo do jogo e a intensidade da relação dos personagens com o esporte. Estruturado e montado por um circuito que avança e retorna na narrativa, Guadagnino nos lança no ápice dos acontecimentos, na partida mais importante de todo o longa, para conhecermos seus personagens em estado competitivo intenso, sem que conheçamos seus backgrounds ou imaginemos a conexão entre eles. Tudo que sabemos ali é que há tensão naquele triângulo, e o resto vai sendo fornecido gradativamente, a cada vaivém, no frenesi enérgico que é o filme.

É preciso dizer que Zendaya é uma potência em Rivais. A força que vemos na quadra em sua primeira aparição como Tashi Duncan, de cabelo metodicamente preso em uma longa trança, se torna leve e tranquila, com cabelos soltos durante uma festa pós-jogo. Nas duas versões da mesma mulher, há uma sensualidade que simplesmente parece natural. Guadagnino a coloca quase que de forma cafona sob uma enorme lua cheia refletida no mar, com um vestido azul turquesa (que recorda os de formatura de ensino médio), um monumento defronte aos dois garotos extasiados com sua presença. O amadurecimento de sua personagem faz somente aumentar seu poder sedutor, que emana sobre os garotos e sobre nós também. Ela se torna uma mulher adulta, uma mãe, uma esposa, sem que lhe seja tirada a pulsão sexual.

Josh O’Connor e Mike Faist (que vem dos musicais da Broadway, e que é uma das melhores coisas no lindíssimo Amor, Sublime Amor de Spielberg), dois atores altos e de muita presença, somem ao lado de Zendaya, mas quando juntos, são igualmente magnetizantes e sensuais. Enquanto Patrick é irônico e sutilmente zombeteiro, jogando tênis com habilidades naturais mas sem muito aperfeiçoamento, Art é muito mais disciplinado e direcionado ao sucesso no esporte. Reunidos, constroem uma conexão absurda e uniforme, não necessariamente inseparável, mas que finda por se dar conta de que a força e o tesão necessários ao tênis deriva, certamente, um do outro, e Tashi é a primeira a percebê-lo, se integrando a esse esquema.

A dependência entre os personagens, que precisam do tesão que sentem um pelo outro para encontrar o melhor desempenho no esporte, é quase tóxica. Essa toxicidade é bem demonstrada por uma cena a quatro paredes entre Art e Tashi. Ela é treinadora dele, e ele está a uma noite da mais importante partida do filme. Fragilizado e inseguro, ele se revela cansado e pensando em aposentadoria, manifestando certeza absoluta da ruína do relacionamento caso ele abandone o esporte. Art necessita, como uma urgência básica, se sentir ameaçado para competir, precisa que ela confirme que vai deixá-lo caso ele perca. E essa relação estranha de dominação, infelicidade e tensão sexual, ali posta por Guadagnino, sob um drama coroado pela canção Pecado, de Caetano Veloso, torna tudo amargo, como um nó na garganta.

A ambientação de Rivais praticamente se divide entre quartos, carros e locais privados, além das quadras de tênis. Em todos os locais internos, há um jogo de sedução crescente que vai encontrar seu gozo em quadra, onde o “sexo” acontece. Aos gemidos e brados do esporte é dada por Guadagnino uma conotação erótica muito evidente, e ali, os personagens suam, trocam olhares intensos e sinais corporais, buscam se compreender por inteiro. Embora o tênis seja jogado a dois, a personagem de Zendaya, que acompanha as partidas da arquibancada, faz parte dessa troca, se remexe na cadeira, e se excita com o ritmo do esporte.

Trent Reznor e Atticus Ross (que também compuseram para Até os Ossos)  fazem da trilha sonora a cereja do bolo de Guadagnino, tornando tudo mais charmoso, mais fascinante e pulsante, além de auxiliar para que o filme jamais perca o ritmo eletrizante. Usam do techno para colocar sensualidade e competitividade esportiva na mesma medida, fazendo cada passo (ou raquetada) soar provocativo, inserindo quebras musicais abruptas, tal como o diretor o faz quando interrompe os quase-orgasmos do filme para nos levar para outro tempo narrativo.

Rivais é, de fato, um constante quase-orgasmo. Esporte e sexo são, para Guadagnino e para Tashi, Art e Patrick, complementares, um dependendo do outro para manter o tesão competitivo sempre muito alto e no ápice. O trisal, aqui, é uma necessidade para dar sentido às relações. O orgasmo vem, o encontramos no mesmo ponto, na quadra de tênis, quando o filme começa e quando termina. Sem uma única cena de sexo, sem que nenhum corpo seja objetificado, Guadagnino transforma o tênis no esporte mais sexy do ano. 

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