Oscar: 10 grandes filmes que não ganharam a categoria principal

Oscar: 10 grandes filmes que não ganharam a categoria principal

É tempo de Oscar. Dá-se início às maratonas, nascem as expectativas e apostas. Em sua 94ª edição, afirmar que a premiação ainda é a maior do Cinema é inevitável. Não se faz necessário ser cinéfilo ou possuir grandes afinidades com a sétima arte para saber do que se trata. A mobilização midiática criou uma aura mágica sobre o evento desde muito cedo. Hollywood, a cidade dos sonhos, aparece sob os olhos do mundo na figura daqueles astros e estrelas que a movimentam.

Entretanto, não há glamour capaz de ocultar que o Oscar é, de fato, uma premiação com viés mercadológico. A mesma cidade dos sonhos é símbolo da indústria cinematográfica. A economia que gira em torno do Cinema  ianque é absurda: em 2021 foram 4,5 bilhões de dólares arrecadados pelas bilheterias. Essa mercantilização da arte acabou gerando um mecanismo de reprodução, fórmulas prontas de se fazer filmes o mais rápido e com o maior retorno financeiro possível. Essa massificação gera uma colonização cultural: quase todo o mundo é “americanizado”.

A consequência disso tudo é que o Oscar reflete e contribui para essa operação. Tanto que hoje é comum falarmos que esse ou aquele filme são “a cara do Oscar”. No mais, as injustiças cometidas pela premiação são evidentes. Como foi que Gwyneth Paltrow ganhou o prêmio de melhor atriz da Fernanda Montenegro?! Algumas acabaram ficando famosas e viraram piadas eternas.

Tomada a consciência, não podemos negar que o Oscar também é uma fábrica de cinéfilos. Atire a primeira pedra aquele que nunca alugou ou foi assistir a um filme nos streamings por suas estatuetas (ainda que para contradizer seu valor!). Não é porque um filme foi indicado ao Oscar que ele será ruim e um mero instrumento capitalista colonizador, da mesma forma que a vitória não garante sua qualidade. O que vai dizer alguma coisa é a experiência individual com a obra. Assista aos filmes, mas saiba o que eles implicam e o que defendem: isso é importante.

Justiça seja feita, não há de se negar, ainda, que muito embora possa apresentar um viés mercadológico, o Oscar é uma premiação confiável, e que vem se esforçando, em seus anos mais recentes, a ser mais representativo e globalmente abrangente, tanto nas indicações como na diversidade de seus membros.  Em 2016, os votantes eram 93% brancos e 76% homens, com média de idade de 63 anos. Em 2021, após necessárias (porém tardias) críticas e imposição de novas regras, os votantes foram mais de 9.300, profissionais das mais diversas áreas do cinema, sendo composto por um terço de mulheres, 19% de pessoas não brancas, e quase 30% de não americanos. A realidade ainda se encontra muito distante da ideal, mas é um grande avanço. Além disso, a grande quantidade de membros garante a credibilidade da premiação, e evita eficazmente a ocorrência de fraudes.

Atendendo às novas regras, a Academia aumenta a lista de votantes brasileiros a cada ano: Alice Braga, Carlinhos Brown, Fernanda Montenegro, Fernando Meirelles, Kleber Mendonça Filho, Petra Costa, Rodrigo Santoro, Rodrigo Teixeira, Sônia Braga e Wagner Moura são alguns nomes que nos representam.

A lista a seguir tem por objetivo extrair das indicações ao prêmio, durante toda a história do Oscar, bons filmes que não receberam a mesma atenção e reconhecimento dos vencedores, ainda que fossem merecedores. Muitas vezes isso aconteceu por questões políticas e do próprio mercado, mas não permita que isso limite a sua experiência cinematográfica. Eis aqui dez grandiosas obras que nada perdem para as Oscarizadas e que não devem ser ofuscadas ou esquecidas por nós.

1. CONSCIÊNCIAS MORTAS (1942 – William Wellman)

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Falar em faroeste é quase sinônimo de cinema estadunidense. Na década de 40 o país já tinha produzido grandes clássicos do gênero e nos brindado com a genialidade do mestre John Ford. Viriam depois outros grandes nomes como Howard Hawks, Delmer Daves, Anthony Mann e Sam Peckinpah. Mas nenhum desses grandes cineastas teve seu western premiado como melhor filme no Oscar, fato que só aconteceu com Cimarron, de Wesley Rugglers, em 1931, o que se repetiria apenas na década de 90. 

Fato é que, apesar de não ter tido o reconhecimento pela maior premiação do Cinema, o western perpassa toda história da cinematografia, com altos e baixos, mas sempre se reinventando. Consciências Mortas, dirigido por William Wellman, é um bom exemplo: o filme se utiliza do gênero para contar uma história muito mais complexa do que perseguições a cavalo e tiroteios (subversão que o crítico André Bazin chamaria de metawestern). Com pouco mais de uma hora de duração, o filme tem uma força devastadora. Henry Fonda é o grande astro que nos guia o incidente de Ox-Bow. Após o suposto assassinato de um vaqueiro popular na cidade de Bridger’s Wells, o povo se reúne sedento por vingança. O frágil moralismo daquelas pessoas é logo quebrado e revela os olhares violentos e julgadores dos cidadãos comuns e de bem que partem em uma jornada pela justiça com as próprias mãos.

Em 1944 o ganhador do Oscar seria eternizado como um dos grandes clássicos da história do Cinema, mas Consciências Mortas traz questões que ultrapassam seu tempo e são muito mais importantes. Política, moralismo, massificação, xenofobia, culpa, são apenas alguns dos temas que podem ser pensados aqui. No aspecto técnico o filme é irrepreensível e traz as cenas mais belas do gênero e quiçá do Cinema. As consciências realmente morrem naqueles que são movidos pelos afetos de ódio, humanos desumanos.

VENCEDOR DO ANO (1943): Casablanca, de Michael Curtiz.

2. MARY POPPINS (1964 – Robert Stevenson)

O clássico estrelado por Julie Andrews e Dick Van Dyke foi premiado com 05 estatuetas na cerimônia de 1965, incluindo melhor atriz, muito embora estivesse indicado em 13 categorias. Baseado na obra literária de P.L. Travers, o musical possui um viés político fortíssimo por trás de sua narrativa infantil. A célebre babá vem subverter o conceito rígido da educação infantil, usando o universo lúdico, a imaginação, a brincadeira, a escuta da criança e o amor como instrumentos substitutos das regras do sistema patriarcal. A função maior da babá, para além de auxiliar na educação das crianças, é claramente a de educar os pais.

A obra traz, ainda, em suas entrelinhas, uma crítica ao sistema capitalista através da relação da figura do pai como detentora do pátrio poder e operária do sistema bancário britânico com sua família. Navegando ainda mais além, o longa levanta a bandeira feminista, colocando a mãe como militante em favor do voto das mulheres e da busca por cenário de vida melhor para as gerações futuras.

A fabulosa Julie Andrews fez em Mary Poppins sua estreia nos cinemas, e num feito histórico levou a estatueta de melhor atriz, compondo um seleto grupo realizador deste feito. Curiosamente, a intérprete foi rejeitada para o papel de Eliza Doolittle de Minha Bela Dama, que acabou cedido para Audrey Hepburn, em que pese Andrews o tenha interpretado nos teatros. Ambas as atrizes concorreram entre si na premiação de 1965, que prestigiou a estreante com sua honraria.

Há muitas controvérsias a respeito da adaptação da obra literária para o Cinema, que foi duramente criticada por P.L. Travers. Entretanto, trata-se de obras distintas que merecem ser apreciadas cada qual em sua modalidade. Experimentar o musical Mary Poppins nunca deixará de ser otimista e encantador (e por que não, revolucionário), suas músicas jamais serão esquecidas pelas mentes espectadoras, e seus personagens sempre serão referência. Uma obra cinematográfica insuperável. 

VENCEDOR DO ANO (1965): Minha Bela Dama, de George Cukor.

3. QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF? (1966 – Mike Nichols)

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Entre os indicados do ano 1967 estava o filme de estreia de Mike Nichols. É raro quem seja capaz de produzir uma obra prima em princípio de carreira, mas não seria nenhum exagero classificar Quem Tem Medo de Virginia Woolf? dessa forma. Foram 5 estatuetas das 13 possíveis, entre elas uma das mais justas da história do Cinema: Elizabeth Taylor como melhor atriz. Uma pena Richard Burton não ter levado o prêmio, já que a atuação do casal é uma das melhores coisas já vistas na cinematografia. Baseado em uma peça teatral – o próprio Nichols veio do teatro -, o filme conta com 3 cenários e 4 atores. Madrugada adentro, os ébrios Martha e George (Taylor e Burton) desconstroem sua complexa e tóxica relação amorosa. As acusações, ameaças e a narrativa que mistura verdade e mentira acabam por engolir o outro casal que estava ali apenas para fazer uma “social” após o convite de visita e logo a imagem de um relacionamento feliz também se desfaz. São mais de 2 horas de diálogos que passam como um piscar de olhos. Aqui já se nota a quebra com a Hollywood clássica para mostrar o lado mais sujo da vida cotidiana. O diretor, também indicado ao Oscar, tem a audácia de fazer desmoronar as imagens de Taylor e Burton, que agora são mostrados como pessoas desprezíveis, alcoolizadas e chulas.

Quem Tem Medo de Virginia Woolf? merece ser mais visto e menos ofuscado pelo sucesso de A Primeira Noite de Um Homem. Nichols antecipa aqui a sua temática recorrente (e que seria modernizada pelo também popular e maravilhoso Closer – Perto Demais): os desafios e pactos do amor e tudo que ele implica.

VENCEDOR DO ANO (1967): O Homem Que Não Vendeu Sua Alma, de Fred Zinnemann.

4. M*A*S*H (1970 – Robert Altman)

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Robert Altman, assim como Stanley Kubrick, faz parte de um seleto grupo de grandes cineastas que nunca receberam uma estatueta do Oscar por seus trabalhos na direção. Ambos são artistas reconhecidos e que influenciaram toda uma geração de outros diretores (Altman talvez em uma escala menor e menos pop que Kubrick). Além desse fato, os dois compartilham duas das maiores sátiras dos filmes de guerra: M*A*S*H e Dr. Fantástico. Se este preferia mostrar o non sense partindo do alto escalão governamental e militar americano, aquele optava pela loucura como única saída do caos bélico. 

Em M*A*S*H acompanhamos o cotidiano de um hospital militar em meio ao conflito contra a Coréia. O que vemos não é o ato heróico dos médicos e enfermeiras, mas sim a desumanização de tais personagens diante do mais desumano dos acontecimentos: a guerra. Soldados mutilados vem e vão o tempo todo; cirurgias, sangue jorrando, amputações e mortes. Tudo isso tem seu teor dramático subvertido por uma piada de mau gosto. Altman quer mostrar o quanto a guerra é uma grande loucura em massa, o evento mais profano do ser humano. São os jovens que perdem suas vidas para sustentar a ambição dos velhos ricos e poderosos.

O absurdo da narrativa é tamanho que o acontecimento mais marcante naquele lugar não é a guerra em si, mas um dentista que não consegue ter uma ereção e por isso planeja seu suicídio. Sua despedida se transforma na santa ceia. Há aqui uma ironia fálica que Freud explicaria muito bem. Aliás, o erótico aparece em diversos momentos do filme seja para representar a jovialidade sendo desperdiçada naquele ambiente, ou para desmascarar o falso moralismo. 

O filme foi indicado a cinco categorias do Oscar, mas acabou levando apenas a premiação de melhor roteiro adaptado. Outra ironia é que os produtores contam que em certo momento tanto os atores quanto a equipe técnica haviam perdido o roteiro durante as filmagens. Foi essa obra que elevou o status de Robert Altman a novo nome da contracultura cinematográfica da época. Ali já estaria marcado seu estilo frenético de diálogos e improvisações que também seriam vistos em clássicos como Nashville, Short Cuts e O Jogador. Infelizmente, em 1971 a Academia preferiu premiar o outro filme de guerra que enaltecia os “atos heróicos” de um general.

VENCEDOR DO ANO (1971): Patton – Rebelde ou Herói?, de Franklin J. Schaffner .

5. REDE DE INTRIGAS (1976 – Sidney Lumet)

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Quando afirmamos que é possível um tipo de filme ser “a cara do Oscar”, a premiação de 1977 é a prova. Uma narrativa do sofrimento rumo à ascensão sempre chamou mais atenção da Academia. Não que Rocky seja um filme ruim, e não o é, mas naquela competição tínhamos Taxi Driver e a obra magistral de Sidney Lumet, Rede de Intrigas, o que, no mínimo, o colocaria em terceiro lugar. Essa predileção, o niilismo de Scorsese e a crítica ácida à mídia dirigida por Lumet fizeram de Stallone e companhia os vencedores.

Rede de Intrigas mostra as entranhas inescrupulosas da televisão. Howard Beale, interpretado por Peter Finch, é um âncora de noticiário que anuncia que irá se suicidar ao vivo no próximo programa. O escândalo gera um sucesso que ninguém esperava. Logo, o discurso parresiasta e desesperado do personagem é absorvido pelo sensacionalismo em uma oportunidade de lucro pela emissora. Ele ganha um programa de auditório que termina sempre com sua exaustão e desmaio após dizer a verdade. A questão é que, por mais realista que seja sua fala, a forma como ela é recebida nos revela o poder da mídia: tudo é transformado em entretenimento. Cria-se a imagem espetacular de um senhor louco e sem pudores, mas tira-se a importância da sua retórica. Os magnatas da comunicação se divertem e alcançam índices até então inimagináveis de audiência. Quando o jornalismo se alia ao capital e não mais à notícia temos o quarto poder. 

O filme teve dez indicações ao Oscar e venceu quatro, entre elas Finch como melhor ator (primeiro Oscar póstumo da história), Faye Dunaway como melhor atriz e Beatrice Straight como coadjuvante (em atuação de cinco minutos e dois segundos, um recorde). Se houvesse uma premiação por melhor elenco, Rede de Intrigas seria o vencedor. Lumet produziu inúmeros clássicos do Cinema que acabaram sendo mais falados do que este; Rocky tem cenas emblemáticas que são lembradas por qualquer entusiasta da sétima arte; Taxi Driver se tornou um fenômeno popular e estampa as camisetas dos jovens por aí; mas nada apaga Rede de Intrigas como um dos maiores filmes já produzidos.

VENCEDOR DO ANO (1977): Rocky, de John G. Avildsen.

6. O HOMEM ELEFANTE (1980 – David Lynch)

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Quem conhece os filmes de David Lynch naturalmente, e com razão, pensa que sua chance de premiação no Oscar é quase nula. Isso porque sua obra é o oposto daquela predileta pela Academia. Porém, o cineasta já esteve duas vezes indicado na categoria de melhor diretor e de melhor filme. A mais significativa foi por O Homem Elefante, seu segundo longa-metragem, que concorreu a oito estatuetas. Naquela época, Lynch havia produzido apenas Eraserhead, um filme surrealista e independente. Pouco se conhecia sobre ele. Mas foi o suficiente para que Mel Brooks (isso mesmo: o comediante) se convencesse da capacidade do diretor e lhe oferecesse o projeto de O Homem Elefante.  O diretor teve, então, um bom orçamento e atores como Anthony Hopkins, John Hurt, John Gielgud e Anne Bancroft à sua disposição. Talvez esses tenham sido os motivos para a construção de uma narrativa mais centrada e menos abstrata que sua primeira obra. 

Na era vitoriana, John Merrick (Hurt) é um jovem portador de uma doença raríssima e até então pouco conhecida: a elefantíase. O fato leva-o a ser explorado e exibido em um circo de aberrações, onde ganha a alcunha de “homem elefante”. Sua vida toda foi na clausura; as pessoas sempre o olhavam com repulsa; aquele que se auto-intitula seu “dono” o trata com violência. Quando o médico Frederick Treves (Hopkins) o conhece em uma dessas exibições fica impressionado com sua deformidade e quer, a todo custo, examiná-lo. Merrick agora é exibido para um grupo de cientistas e passa a morar em um hospital. O tempo revela um jovem culto, amante de ópera e leitor da bíblia, que sabe se comunicar, mas sempre viveu reprimido como um animal enjaulado (literalmente). Logo, o interesse científico de Treves é superado por um humanista. Por que o diferente é tratado dessa forma?

Nada é mais forte que os gritos de John Merrick exigindo seu reconhecimento como ser humano. David Lynch cria nosso retrato da forma mais cruel, mas retoma no espectador uma sensibilidade perdida no mundo moderno. Os poucos atos de amor recebidos pelo personagem nos revelam que esse é o caminho da vida, porém, de outro lado nos mostra o quanto é difícil superar o imperativo de ódio da sociedade. O Homem Elefante deve ser colocado na primeira prateleira entre a filmografia do diretor, entre os mais belos e melhores filmes da história e, com certeza, acima do vencedor daquele ano.

VENCEDOR DO ANO (1981): Gente Como a Gente, de Robert Redford.

7. O BEIJO DA MULHER ARANHA (1985 – Héctor Babenco)

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Obra prima do argentino naturalizado brasileiro Héctor Babenco, O Beijo da Mulher Aranha é uma produção américo-brasileira que concorreu à categoria de melhor filme no ano de 1986, perdendo para o colonialista Entre Dois Amores. Concorreu a quatro estatuetas em categorias principais, sendo responsável por premiar William Hurt (falecido há poucos dias, durante a confecção desta lista), certamente no melhor papel de sua carreira, como melhor ator.

Adaptado da obra literária de Manuel Puig, o longa foi rodado na cidade de São Paulo, em locações facilmente reconhecíveis pelo espectador paulista, e grande parte de seu elenco é brasileira: José Lewgoy, Milton Gonçalves, Miriam Pires, Nuno Leal Maia e Herson Capri, além de Sônia Braga, num papel de musa que lhe abriu as portas para Hollywood.

O longa traz a história de dois prisioneiros, Luis Molina (William Hurt) e Valentin Arregui (saudoso Raul Julia) que dividem uma cela em uma penitenciária da América do Sul (não é geograficamente situado de forma específica). Através da contação de narrativas fílmicas imaginadas por Luis Molina encontram escape e alívio mental do torturante encarceramento de seus corpos. Os motivos que levaram os protagonistas à prisão já revelam a natureza política e crítica do filme. Luis Molina foi aprisionado por imoralidade, por ser homossexual, enquanto Valentin Arregui é um preso político em tempos de ditadura.

A belíssima adaptação é uma verdadeira reverência ao cinema (e à contação de histórias) como arte que possibilita a navegação por outras realidades, ainda que para o entorpecimento, e usa a metalinguagem para realizar as invenções narrativas de Molina. Toda a construção cinematográfica feita por Babenco é um ponto alto por si só, mas cabe aqui destacar o enorme valor do trabalho primoroso de atuação não só dos protagonistas, mas também de Sônia Braga, que com poucas palavras no roteiro, dá vida às musas de Molina e Arregui em múltiplos personagens.

Esplêndido, O Beijo da Mulher Aranha, consegue ser gracioso e agressivo, denso e doce em concomitância. Levou raízes brasileiras à Hollywood, e tal feito, por si só, já torna obrigatória a apreciação.

VENCEDOR DO ANO (1986): Entre Dois Amores, de Sydney Pollack.

8. O PIANO (1993 – Jane Campion)

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Jane Campion está em alta. Seu último longa, Ataque dos Cães, vem sendo aclamado nos arredores do globo, e recebeu 12 indicações ao Oscar 2022. Nome já conhecido da Academia, ela foi a segunda mulher na história da premiação a ser indicada como melhor diretora. A primeira foi Lina Wertmüller, por Pasqualino Sete Belezas (1975). Depois de Campion, passados dez anos, em 2003, é que temos a indicação da terceira mulher (Sofia Coppola, por Encontros e Desencontros). A pequena lista passou por apenas cinco mulheres até chegar em Campion novamente, em 2022. Mesmo que a passos lentos, o cenário do Oscar vem mostrando sinais de mudança: em 94 anos apenas sete mulheres foram indicadas, sendo que quatro destas ocorreram após 2017. 

O Piano, primorosa e sensível construção artística cinematográfica também roteirizada por Campion, nos insere na jornada de Ada (Holly Hunter, magnífica), uma mulher europeia e muda (elemento muito simbólico da narrativa) que foi vítima de um casamento arranjado por seu pai, e vê-se obrigada a se mudar para uma Nova Zelândia em processo de colonização, em meados do século 19. Consigo, leva sua filha, Flora (Anna Paquin, soberba num papel inesquecível), poucos pertences e um piano, a verdadeira voz e expressão de Ada.

Indicado a oito categorias, saiu-se vencedor em três delas (todas entregues a mulheres): melhor atriz para Holly Hunter, melhor roteiro original para Jane Campion e melhor atriz coadjuvante para Anna Paquin, a segunda atriz mais jovem a vencer um Oscar,  realizando o feito aos seus 11 anos. Pudera! As potentes atuações que nos foram presenteadas por Hunter e Paquin foram fundamentais para tornar as personagens das mais incríveis e memoráveis já criadas para o cinema.

A riqueza do longa é apreciável em muitas camadas. Complexo, aborda a opressão feminina por todo sistema patriarcal, desde o aprisionamento dos corpos e psiques femininos através da submissão da protagonista ao casamento arranjado, até a elevação de uma mulher, ainda que desprovida de voz propriamente dita, que luta para impor suas vontades e desejos próprios, e manter-se na liberdade trazida pelo piano. Em segundo plano, mas não menos importante, Campion retrata ainda, com sutileza, as misérias da colonização da Nova Zelândia e o tratamento europeu para com os maoris, que muito embora sejam tratados como incivilizados pelo colonizador, são mostrados como um povo que mantém igualdade de gênero e respeita a liberdade sexual e a ancestralidade. A diretora faz questão de exibir o colonizador como uma peça fora do lugar naquele ambiente em que tenta se impor, principalmente nos figurinos, camadas e camadas de vestidos que contrastam com o ambiente lamacento e devastado pelo homem branco.

O Piano exala a competência e domínio de Jane Campion, que se consolida na história do Cinema como a única diretora a ser indicada duas vezes na categoria de direção. Uma mulher de grandes feitos a celebrar. Uma verdadeira jóia cinematográfica.

VENCEDOR DO ANO (1994): A Lista de Schindler, de Steven Spielberg.

9. AS HORAS (Stephen Daldry – 2002)

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O Oscar de 2003 foi marcado pela entrega do prêmio de melhor atriz para Nicole Kidman, intérprete irreconhecível de Virginia Woolf no denso e fabuloso As Horas. A atriz subiu ao palco com as mãos rubras de nervosismo, desbancando colegas como Salma Hayek, por Frida, e Renée Zellweger, por Chicago. Adaptado do livro de mesmo nome de Michael Cunningham e dirigido com delicadeza, o filme retrata a vida de três mulheres, vividas em épocas diferentes, mas conectadas pelo clássico literário Mrs. Dalloway: a própria escritora, Virginia Woolf, em 1923, no processo de escrita do romance, a dona de casa e mãe Laura Brown (Julianne Moore), em 1951, e a elegante Clarissa Vaughan (Meryl Streep), em 2001.

A conexão entre as personagens é articulada de forma engenhosa. Enquanto Virginia Woolf trabalha na escrita de Mrs. Dalloway, Laura Brown faz a leitura do livro em 1951, ao passo que Clarissa Vaughan vive a própria história da personagem-título nos preparativos de sua festa de aniversário. Não obstante, muito além da conexão pela literatura, as personagens se associam pelas amarras internas que suportam por não encontrarem propósito em suas vidas. Muito embora seus enclausuramentos tenham causas distintas, há notória identidade entre eles na medida em que as personagens são mulheres que têm suas personalidades limitadas por algum tipo de imposição social e pelas aparências que se espera que atendam. A angústia, que sequer consegue ser por elas nomeada ou expressada, é partilhada. A propósito, sobre o tema, a obra literária A Mística Feminina, de Betty Friedan, é um estudo aprofundado sobre o compartilhamento entre mulheres do chamado “problema sem nome”, essa inquietação dividida quando há o refreamento e controle da plena potência e capacidade femininas.

Um filme denso, tal como a melancolia das mulheres que nos são apresentadas, acompanhado de uma trilha sonora igualmente profunda, maravilhosamente composta por Philip Glass. Lindamente produzido, As Horas pode despertar alguns gatilhos (portanto, pessoas que lutam contra depressão devem apreciar a obra com cautela), mas certamente trará válidas reflexões. Quiçá, fará o espectador se apressar à leitura do romance de Virginia Woolf, o que certamente enriquecerá sua experiência cinematográfica.

VENCEDOR DO ANO (2003): Chicago, Rob Marshall.

10. SELMA (Ava DuVernay – 2014)

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Um dos maiores pecados já realizados pelo Oscar, dentre muitos dos quais já foram aqui apontados, foi perceber-se racialmente seletivo e pobremente representativo tarde demais. Selma é a prova concreta das inúmeras injustiças cometidas pela premiação, clara e deliberadamente com fundamento na raça. Diga-se de passagem, a Academia perdeu muitas oportunidades de avanço na medida em que excluiu Ava DuVernay (mulher e negra) dos indicados à direção e não reconheceu seu potente trabalho, limitando a indicar a obra apenas a duas categorias: melhor filme e melhor canção.

O longa apresenta com a honestidade e a dureza necessárias a trajetória de Martin Luther King durante os protestos ocorridos na cidade de Selma, estado do Alabama, em 1965, em reivindicação ao direito do registro da população negra ao voto, reiteradamente negado como afirmação de uma política de segregação racial que o estado resistia a abandonar.

Muito embora a importância da figura de Martin Luther King na luta e liderança e movimento negro não só nos Estados Unidos como no mundo todo seja inexprimível, Selma foi o primeiro longa a trazer o ativista como protagonista, interpretado com precisão e extrema competência por David Oyelowo, esnobado pela premiação. O elenco como um todo, diga-se, é poderoso, trazendo, além do intérprete principal, Carmen Ejogo, Oprah Winfrey, Tessa Thompson, Common, LaKeith Stanfield, Cuba Gooding Jr, André Holland, Tim Roth, Tom Wilkinson, lista que aqui não se esgota.

Os motivos para o aparente (e proposital) esquecimento de Selma na premiação fundamentaram-se em causas abertamente políticas. Em julho de 2014, Eric Garner foi morto por estrangulamento pela polícia de Nova Iorque quando detido. Durante a estreia americana do longa, o elenco, em forma de protesto, usou camisetas com os dizeres “Eu não consigo respirar”, frase repetida onze vezes pela vítima antes de morrer. Após, membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas teriam se mostrado insatisfeitos, alegando que não cabia ao elenco se posicionar, e que por isso não votariam no longa. A objeção de alguns membros da Academia foi confirmada por Oyelowo e DuVernay em 2020, quando o assunto foi retomado depois da morte de George Floyd em condições muito semelhantes. Após a discriminação sofrida pela obra, a campanha #OscarsSoWhite ganhou força, o que culminou na modificação das regras para uma premiação mais representativa e diversa.

Após mais de 50 anos da morte do Dr. King, Selma continua sendo a única obra que o expressa com protagonismo. O legado do ativista e sua transformação em tela de cinema não deve ser limitado ao racismo da Academia, mas apreciado como jóia cinematográfica de tremenda força que é, cuja narrativa é traçada com humanidade e inteligência, e que trata com o devido mérito sua luta.

VENCEDOR DO ANO (2015): Birdman, de Alejandro González Iñárritu.

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4 thoughts on “Oscar: 10 grandes filmes que não ganharam a categoria principal

  1. Post excelente. Sabemos que muitos outros filmes poderiam entrar nessa lista. Afinal o Óscar nunca foi a régua que mede a qualidade de um filme.
    Mas fiquei curioso por algo dito no começo desse texto quando listou os brasileiros votantes dessa cerimônia. Carlinhos Brown? What?????
    Carlinhos Brown nessa lista é tão aleatório quanto os diversos “rolês” de Ronaldinho Gaucho.

    1. Valeu Cid!
      Pois é, uma informação curiosa, mas não tão aleatória! Carlinhos Brown recebeu indicação ao Oscar 2012 na categoria Melhor Canção Original, pela canção “Real in Rio”, do filme de “Rio”. Ele foi convidado como votante em 2018, provavelmente para as categorias relacionadas à música.
      Grande abraço!

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