Seguindo Todos os Protocolos | 2022

Seguindo Todos os Protocolos | 2022

O planeta como conhecemos foi transformado por um microrganismo. Estabilizados em uma cíclica rotina, todos os seres humanos foram afetados direta ou indiretamente pela Covid-19. Duas semanas de isolamento transformaram-se em dois anos e meio de uma pandemia ainda vigente e 6,32 milhões de mortos oficialmente. A melhor das possíveis hipóteses disponíveis ao menos no primeiro ano de pandemia era o isolamento, permitido àqueles que não trabalhavam diretamente na linha de frente do combate à doença ou outros serviços essenciais. O isolamento, ao menos, era a única forma de assegurar-se contra o vírus.

Mesmo sendo a melhor das péssimas alternativas disponíveis ao mundo, e por mais que significasse segurança na medida do que era possível garantir, o isolamento e a situação pandêmica afloraram sentimentos e necessidades primárias que antes passavam despercebidas por nós. A necessidade de um abraço jamais foi sentida com tanta intensidade. O medo de adoecer nunca foi tão potencializado. Banalidades como ir ao mercado tornou-se desafiador. Ler as notícias do dia passou a ser desesperador. Ninguém saiu ileso. Houve, de fato, modos diferentes e individuais de enfrentar (ou desprezar) a situação, mas o vírus afetou a todos.

O comportamento das pessoas igualmente sofreu transformações. A pandemia dividiu politicamente as pessoas, alterou e extinguiu relações humanas. Fez surgir fobia social em pessoas antes calorosas, despertou depressão e ansiedade em grande parte de nós. Passamos a julgar comportamentos através de nossas redes sociais, nunca tão ativas.

Nesse caótico cenário, alguns conseguiram dar vazão à exaustão psicológica através da arte. Fábio Leal é um desses artistas. Seguindo todos os protocolos é uma afetuosa e erótica crônica cinematográfica pernambucana sobre vidas na pandemia, mais especificamente, sobre vidas queer, mas abordando através de seus personagens questões que perseguiram (e ainda perseguem) a todos nós.

O protagonista da crônica é interpretado próprio Fábio Leal, que dá vida à Chico, percorrendo o 10º mês de pandemia sozinho em seu apartamento, dividindo sua rotina entre o cuidado das plantas da varanda, aplicativos de meditação, exercícios online, videochamadas, Xvideos, óleos essenciais, lives do biólogo Átila Iamarino, redes sociais, maconha e drogas antidepressivas, enquanto busca encontrar meios de solucionar o dilema da abstinência sexual forçada e o medo de adoecer ou transmitir o coronavírus. O remédio é procurar antigos parceiros e tentar transar seguindo todos os protocolos.

A solução encontrada por Chico, muito embora possa parecer exagerada aos nossos olhos vacinados contra o vírus, é construída de forma muito sensível, em destaque a belíssima e triste cena que mostra a barreira sanitária construída pelo personagem que divide corpos nus mascarados de PFF2 que tentam se tocar através do plástico.

É curioso que Chico tenha que buscar informações a respeito de sexo seguro na pandemia para homossexuais em sites estrangeiros. Bem demonstra a falta de acolhimento que a minoria queer enfrenta num país como o nosso em dos seus mais assustadores momentos políticos.

O longa usa do erotismo explícito para bem representar a necessidade biológica do ser humano que é o sexo. A saúde sexual, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma condição fundamental ao bem-estar físico, psíquico e sociocultural, integra uma forma de relação imprescindível que supre a necessidade humana de afeto, contato, intimidade, prazer. Por essa razão, mais do que um filme que usa e abusa do erotismo até para expressar, de forma divertida, os pensamentos do protagonista, é uma obra muito mais profunda que aborda a saúde mental na pandemia e a descoberta da essencialidade das relações e do contato humano para a uma sobrevivência de qualidade.

Fábio Leal explora com competência, ainda, os diferentes meios individuais de enfrentamento da pandemia. Muitos personagens se formaram nesses tempos e muitas personalidades ocultas afloraram. Fiscais de pandemia e aglomeração, desprezadores do potencial do vírus, pessoas que de cansadas anestesiam a si próprias e ignoram os acontecimentos, cancelamentos, medos exacerbados e obsessão com a doença, hipocondríacos de pandemia, especialistas políticos de internet, bolsonarismo, excesso de informação.

 Obras como essas reenergizam o cinema nacional e nos fazem lembrar da competência e sensibilidade absurdas dos nossos artistas. Seguindo todos os protocolos foi exibido no Festival de Tiradentes de 2022, no Festival Internacional de Curitiba, e estreará nos cinemas brasileiros, através da Sessão Vitrine, nas seguintes cidades: Aracaju, Balneário Camboriú, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Palmas, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, no próximo 30 de junho.

Viva o cinema nacional!

Foi conferido pelo Coletivo Crítico através de cabine online, a convite da Vitrine Filmes e da Sinny Assessoria.

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