Retomada e curtas de abertura | 20ª Mostra do Filme Livre

Retomada e curtas de abertura | 20ª Mostra do Filme Livre

A Mostra do Filme Livre (MFL) chega a sua vigésima edição atravessando resistência e muita luta dentro do cenário audiovisual brasileiro. O evento que acontece anualmente desde 2002 no Rio de Janeiro, volta à sua forma presencial após o período de pandemia e o assombroso governo bolsonarista que tanto jogou contra os incentivos às realizações culturais. Crucial para a disseminação de obras de baixa circulação, produções independentes que, em sua maioria, foram realizadas sem apoio financeiro, a Mostra traz aos cinemas, de forma gratuita, uma imensa gama de filmes de todos os tipos, formatos, gêneros e duração. Embora algumas realizações já tenham passado por eventos como o Festival de Cinema de Tiradentes, Olhar de Cinema, Festival ECRÃ, entre outros, muitos realizam sua primeira exibição em tela grande através da MFL.

Prezando pela difusão do “Cinema Livre” e democrático, a Mostra do Filme Livre 2023 surge como uma brecha no apertado mercado do cinema brasileiro que está aos poucos voltando a respirar através de leis de incentivo como a “Lei Paulo Gustavo”, mas que ainda sofre com o sufocamento das salas com filmes Hollywoodianos no circuito e uma luta por cota justa para filmes nacionais em cartaz. A MFL dá ao “cinema de guerrilha” brasileiro a oportunidade de ser visto em salas parceiras de forma gratuita com apoio da Riofilme, Centro Cultural Banco do Brasil, Centro Cultural Justiça Federal, Estação NET Botafogo e Cinemateca do MAM. O CCBB RJ abrigou a MFL por 18 anos seguidos, até 2019, quando perdeu o patrocínio e, logo na sequência, enfrentou a pandemia. 

Em 2020 foi feita uma mostra online, com apoio do Pólo de Cinema de Cataguases, e em 2022 realizou uma edição especial online tendo a pandemia como tema dos filmes, que pode ser vista AQUI. Na edição deste ano a mostra recebeu 1.300 filmes e exibe mais de 180 produções nacionais. A seleção foi feita pela curadoria que conta com Gabriel Sanna, Scheilla Franca e Guilherme Whitaker, também Coordenador Geral da mostra. 

A MFL 2023 é dedicada à memória de Nilson Primitivo, Maurice Capovilla, Carlos Alberto Prates, Clóvis Molinari e Ely Marques. Nomes importantes do cinema independente no Brasil e que nos deixaram. A sessão de abertura que ocorreu na sala 1 do Estação NET Botafogo de Cinema contou com a exibição especial de uma vídeo-retrospectiva que passa por diversas fases do festival, mostrando figuras essenciais que contribuem para que ele permaneça ativo e mencionando os homenageados de maneira bem-humorada e carregada de nostalgia. Na sequência, foram exibidos cinco curtas-metragens que dialogam muito com resgate histórico, memória e o período de resistência à pandemia. São eles:

Gestos de Proteção (2021) – Direção: Larissa Dardania | MG

O curta trabalha com imagens de forma poética sintetizando um estado de espírito resignado com um abraço na religiosidade e na fé. Mãos sobre as mãos, sob a água, sobre pétalas-oferendas, copos presentes perto das velas acesas como para uma prece. Belas composições imagéticas.

Sinopse:

“Proteção não é só o escudo visível que nos cobre, muito menos a ação motora dos homens que diz nos proteger, mas permear os espaços do ser, de se reconhecer. Processo que exige autoconhecimento, cautela, corpo e presença; o alinhamento da alma, da mente do corpo e do descanso.”

Apocalypses Repentinos (2022) – Direção: Pedrokas | CE

No curta, uma jovem cineasta conversa com a câmera/público através de uma monólogo e cenas que retratam seus anseios sobre o processo criativo no cinema e na arte em geral. Diversas vezes em tom metalinguístico, repleto de sarcasmo e ironia acerca de sua própria condição como realizadora audiovisual, criação artística e a cinefilia. A obra passa um espírito jovem, revolucionário e contestador sobre o método cinematográfico.

Sinopse:

“Existem mil vozes na minha cabeça. E todas elas estão mudas.”

Visões do Paraíso (2023) – Direção: Cristiana Miranda | RJ

Uma investigação sobre como o povo quilombola do Morro do Quilombo em Casimiro de Abreu vem sendo hostilizado e desapropriado de suas terras por homens brancos e enfrentam problemas de moradia e segurança até os dias de hoje. A obra é montada através de entrevistas, em tom documental, com  imagens de arquivo, textos antigos e algumas filmagens produzidas em película. Trata com imenso respeito e enfrentamento a questão a partir do recorte do depoimento de uma família.

assista AQUI

Sinopse:

““Visões do Paraíso” parte de uma pesquisa acerca da iconografia histórica da paisagem fluminense em torno de 1822. Reunindo as imagens deixadas pelos artistas viajantes que vieram ao Brasil no início do século XIX, o filme desenvolve uma reflexão audiovisual experimental filmada em 16mm acerca das disputas pela terra durante os processos migratórios ocorridos no Rio de Janeiro, na ocasião da independência do Brasil. Colonos suíços chegaram ao Rio de Janeiro fugindo da fome a que estavam submetidos em seu país, em busca de terras para viver e prosperar. Comunidades quilombolas habitavam as montanhas há muito ocupadas por indígenas Aimorés. O filme retoma a antiga disputa de terra na Serra do Mar fluminense, em especial no território de Casimiro de Abreu, no Morro do Quilombo, desde seus primórdios até o momento atual, acompanhando a trajetória da família do quilombola Seu Cici, expulso de suas terras, tendo sua casa queimada e suas plantações destruídas, durante a ditadura civil militar em torno de 1972.”

Alexandrina – Um relâmpago (2022) – Direção: Keila Sankofa | AM

Resgate de origem, um olhar direcionado contra o apagamento histórico de Alexandrina, mulher negra e amazônica, em um manifesto que traz à tona debates sobre cultura, conhecimento e ancestralidade sob a perspectiva de outra mulher negra. Alexandrina fora colocada como figura exótica e fetichizada por homens brancos por causa de seu cabelo, sua pele e seus traços, Sankofa faz um resgate sensorial genuinamente empoderado que ilustra e se apropria devidamente dessa questão.

Sinopse:

“Alexandrina – Um relâmpago, faz do cinema de invenção um campo fértil de contestação, que ousa rasgar os registros do perverso e mentiroso passado, onde Alexandrina, mulher preta da Amazônia, que antes fora reduzida a objeto de estudo, esvaziada do seu vasto repertório de conhecimento e logo jogada ao limbo do suposto esquecimento; agora é o presente!”

Nenhuma Fantasia (No Fool) (2022) – Direção: Gregorio Gananian, Negro Leo | SP

Um estudo, um ensaio, uma concepção abstrata, divertida e contestadora do estado humano social moderno. Um delírio cinético interessante, com um inception de imagens filmadas em um cômodo vermelho na casa de um dos diretores durante a pandemia, diante de uma TV, com inserções musicais abruptas encenadas por Negro Leo. Momentos que rasgam uma cena à outra para passar, no fim do caos, um sentido de reflexão ao espectador.

Sinopse:

“Num tempo onde fatos inventados são decisivos para a sociedade, o próprio povo franqueia seu assassinato cultural. Nenhuma Fantasia, No Fool, em inglês, é um filme sobre, ironicamente, não haver mais dúvidas de que, do 14-Bis a space X, da corrente alternada ao Google, o destino da humanidade arrastada para o centro da civilização ocidental é o rumor, aquilo que se sabe confusamente, imprecisamente, que se tem dúvidas”

A Mostra do Filme Livre aconteceu presencialmente de 14 a 24 de setembro de 2023 no Rio de Janeiro nas salas do Estação Net Botafogo, Cinemateca do MAM, CCJF e CCBB RJ com entrada franca. Após a mostra presencial, parte da MFL vai acontecer online. A etapa online acontecerá de 10 a 20 de outubro, com 30 filmes dentre os selecionados, mais os premiados da etapa presencial e menções que serão convidados, fora de competição.

  • Os premiados da etapa presencial de 2023 são:

PAULA GAITÁN, pelo conjunto da obra.

DUO STRANSGOSCOPE pelo conjunto da obra.

O curta NENHUMA FANTASIA, de Gregorio Gananian e Negro Leo

O curta CINEMA PARA OS MORTOS, de Bruno Moreno e Renato Sircilli

O média CAIXA PRETA, de Saskia e Bernando Oliveira

O longa SINFONIA DO FIM DO MUNDO, de Thiago Brito e Isabella Raposo

O longa A ESTRATÉGIA DA FOME, de Walter Fernandes Jr

  • MENÇÃO HONROSA para:

O longa BRASIL 1977, de Felipe Kusnitzki

Pelo conjunto da obra de REBECCA MOURE 

O longa AS LINHAS DA MINHA MÃO, de João Dumans

O curta de escola PRESENTE, de Pedro Coelho Xavier

 A premiação presencial foi de R$7.000,00 e a online será de  R$3.000,00. A curadoria da mostra definiu os sete premiados do evento, cada qual recebendo R$1.000,00. A curadoria também vai indicar os filmes da mostra online, com premiação R$1.000,00 para cada um dos três filmes mais votados pelo público.  Acompanhe as redes da mostra para ficar sabendo do que há por vir: sitefacebook | instagram | youtube

Ainda este ano a MFL seguirá para Brasília – DF, prevista para o fim de novembro e começo de dezembro, com datas a confirmar.

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  • Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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