Searching for Amani | 2024

Searching for Amani | 2024

Um filme essencial contra a opressão climática.

Nós, brasileiros, testemunhamos a força da natureza para tomar o que lhe foi tirado. Catástrofes ambientais têm alterado a vida de populações inteiras em diversas regiões do país. Isso não é algo exclusivo do Brasil, pois tem acontecido em todo mundo. Entretanto, alguns lugares são negligenciados, não viram notícia, ou são colocados em segundo plano nas questões climáticas. É o caso do continente africano, mais especificamente do condado de Laikipia, no Quênia, como nos mostra o documentário Searching for Amani,. É neste cenário construído por toda estrutura racista milenar da humanidade que acompanhamos o garoto Simon, 13 anos, aspirante a jornalista que passa a investigar a morte trágica do pai.

Ano após ano a comunidade de Laikipia sofre com as constantes secas que transformam suas florestas em imensos desertos. Os poucos espaços verdes, que ainda preservam a vida selvagem, são terrenos privados, roubados durante a colonização britânica e dado a famílias brancas, como é o caso da Unidade de Conservação em que o pai de Simon trabalhava como guia quando foi assassinado. Sua morte se transforma em mistério para a família, já que a polícia fez muito pouco, ou quase nada, para descobrir os motivos do homicídio. Depois de um ano, o jovem que sonha em ser jornalista, sai em uma missão investigativa sobre o caso.

As diretoras de Searching for Amani, Nicole Gormley e Debra Aroko, se posicionam como parceiras na caminhada de Simon, dando-lhe uma câmera e também função criativa. Quando elas interferem no filme é para dar suporte à narrativa guiada por ele. Enquanto ele estuda e se prepara para ser um jornalista (e já com sua reportagem mais difícil, a morte do pai), elas contextualizam a vida daquela família e dos moradores de Laikipia. Aos poucos, então, entendemos a interferência dos problemas climáticos na vida daquelas pessoas e, inevitavelmente, no assassinato.

O filme também é uma trajetória de autoconhecimento para Simon. Investigar a história de sua família, esmiuçar seu luto, é algo que o faz amadurecer, muito mais do que sua própria condição já o fez. Para ligar os fatos, ele assume um semblante de sobriedade que não é visto em adolescentes de sua idade. Resolve, então, visitar a Unidade de Conservação onde seu pai trabalhava, entrevistar seus colegas e até a “proprietária” da terra. As peças não se encaixam, já que não haveria motivos pessoais para matarem seu pai. Mas, uma coisa importante emerge de sua pesquisa: o conflito entre a Unidade de Conservação e os interesses dos pastores de gado da região.

Como um grande jornalista, Simon precisa entender o que é esse conflito, analisar todos os lados. É quando se une ao seu melhor amigo, Haron, que é filho de um pastor. São as conversas amigáveis entre os dois que nos dão mais detalhes sobre o que acontece em Laikipia. O gado precisa de água e grama, coisa que só se encontra dentro da reserva, que hoje é privada. Isso leva os pastores à revolta, “invadindo” as terras para alimentar seus animais e, consequentemente, a si mesmos, gerando um conflito armado.

Tudo isso se torna muito fluido em Searching for Amani, graças a forma como a história é montada. Vemos a empolgação de Simon e a sua transmutação em jornalista-investigador; entramos naquele contexto levados pelo poder narrativo dado ao jovem por Gormley e Aroko. Elas não impõem o filme sobre o garoto, mas deixam que ele nos leve para dentro de si. Atingimos o clímax junto com Simon e sua família, porque para nós também se tornou importante entender as condições daqueles personagens.

A entrevista com um dos turistas que estava sendo guiado pelo pai no fatídico dia é a peça chave do documentário. É quando a mãe, Simon e uma irmã ouvem todos os fatos envolvendo o momento do assassinato. Mas, enquanto jornalista, Simon não deixa as lágrimas caírem, ouve e registra tudo atentamente com sua câmera.

Assim como Simon, entendemos as relações entre a colonização, as mudanças climáticas e a morte do pai. Para ele, não se tratava de vingança ou punição, mas de entender e resgatar as memórias interrompidas. A devastação deixada pelos colonizadores não existe apenas fisicamente, mas também nas feridas emocionais que carregam jovens como ele.  Além de nos envolvermos com a narrativa de Searching for Amani, suas belas imagens e a presença de Simon, somos agraciados com o surgimento de um espírito investigativo em busca de sua própria história, o que nos traz um pouco de esperança na humanidade.

Amani, em Suaíli, significa paz. É a última palavra proferida pelo pai nos sonhos do filho. É a nova missão que ele assume ao fim da projeção: entender os motivos de sua ausência e o que fazer para resgatá-la. A vivacidade e perseverança de Simon nos fazem continuar procurando pela paz. Um belíssimo filme, que fica ainda mais belo quando vemos todo trabalho político e de conscientização feito pela equipe.

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