Banido | 2024

Banido | 2024

A história do Cinema Sulafricano a partir da censura de um filme perdido

Joe Bullet é um filme sulafricano de 1973, dirigido por Louis de Witt, que cria, pela figura do ator Ken Gampu, uma celebridade da época, um heroi negro nos moldes de James Bond. Nada de novo se o longa de ação não fosse a primeira obra da África do Sul a possuir um elenco e produção inteiramente negros, realizado com o propósito de atrair pessoas negras ao cinema, na vigência do regime segregacional do Apartheid (1948 – 1994), e que findou por banir e proibir Joe Bullet antes mesmo de ser exibido comercialmente.

Banido é o primeiro longa-metragem da diretora Naledi Bogacwi, documentário que resgata os acontecimentos do filme censurado a partir da abordagem de alguns membros do elenco e da produção, da oitiva de especialistas e outros artistas da época, bem como trazendo ricas imagens da obra, traçando assim um panorama importante não só das atrocidades do regime, mas também da história do Cinema Sulafricano.

Se o Cinema no continente africano em geral, às duras penas, conseguiu se estabelecer de forma tardia, ainda encontrando dificuldades atuais em sua produção ante o apagamento cultural provocado pelos colonizadores, a África do Sul, em específico, pelas particularidades de sua história de segregação, sendo um país governado, até 1994, somente por pessoas brancas, não conseguia fazer qualquer Cinema que não fosse branco e permitido pelo regime. Joe Bullet não era inovador somente por tratar-se de uma produção negra, mas por buscar a reformulação da imagem do negro como não marginalizado – os personagens eram ricos, andavam em carros de luxo, características antes só vistas em filmes brancos.

Às pessoas negras, durante o Apartheid, não havia permissão sequer de tocar uma câmera profissional, não havia treinamento para o trabalho na área, não lhes era permitido ir a alguns cinemas. Eram vistas nas telas como celebridades, porém fora delas eram precariamente pagas. Enquanto filmes não negros recebiam subsídios de cerca de 2 milhões de rands para a produção cinematográfica, aos filmes negros eram relegados meros 30 mil rands.

Naledi Bogacwi parte, portanto, de Joe Bullet, como um exercício pessoal de redescoberta da história do Cinema de seu país e falar sobre a banição de obras artísticas negras em todos os contextos durante o Apartheid. Os motivos para a censura eram os mais banais: a existência de elementos criminosos, a presença de armas, de assassinatos, o estímulo a fazer justiça com as próprias mãos, a violência, todos recursos próprios do gênero, suficientes para causar o esquecimento de uma obra de arte. Os entrevistados contam como burlavam as regras do regime através do uso da própria diversidade de línguas faladas na África do Sul e da suavização das mensagens, e ainda assim, artistas enfrentavam todos os dias o medo da prisão.

Em tempos horríveis, onde pessoas negras, se não eram mortas, frequentavam semanalmente funerais de amigos e parentes assassinados pelo governo, onde até a pronúncia do nome de Mandela era proibida, encontrava-se na arte a munição necessária contra a opressão. O banido Joe Bullet, um resgatado rolo pesado de filme guardado numa garagem, pôde ser reexibido graças à resiliência de artistas, negros e aliados anti-regime. A diretora faz sua estreia com  um Cinema ativista e político que visa atrair o olhar externo a esses acontecimentos pouco conhecidos e debatidos, e Banido se mostra um documento histórico notável que não necessita da panfletagem para reforçar o horror daquilo que já passou, mas sim abordá-lo para abrir um novo espaço àquilo que foi por tantos anos perdido.

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