Ato Noturno | 2025

Ato Noturno | 2025

Das inúmeras possibilidades de cinema que temos, é cediço que algumas linguagens e narrativas necessitam trilhar caminhos subversivos para representarem, apropriadamente, a si mesmas. Assim é, por exemplo, com o cinema africano, que precisou apropriar-se do europeu (feito, diga-se, também à sua exploração) para criar o seu próprio. Assim o é com o cinema queer, que apesar de rotulado, se recusa a limitar-se ao cerco que eventualmente tenta lhe ditar regras de como deve ser realizado. Ato Noturno, dirigido pela dupla Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, rejeita as expectativas que ele mesmo cria sobre o comportamento de seus personagens, desafiando o espectador a refletir sobre a forma como enxerga e o que espera de pessoas LGBTQIA +.

Um ator e um político. Matias (Gabriel Faryas) e Rafael (Cirilo Luna) são duas figuras públicas em ascensão que vão se encontrar através de um aplicativo de relacionamentos, com o propósito de manterem-se ocultos em suas preferências sexuais e fetiches. A intensidade da atração e da dinâmica sexual é uma crescente, e o desejo de permanecer às escondidas vai cedendo ao risco de sentir e mostrar prazer em público. Não só a prática de cruising (busca por parceiros anônimos para a pegação ou sexo praticado em espaços públicos) vai se tornar hábito na rotina de ambos, como, diga-se, a ousadia do sexo feito (e bem feito) nas fuças da família tradicional brasileira mostra-se uma necessidade de imposição existencial.

O risco em Ato Noturno é elemento que criará uma atmosfera de thriller erótico, vez que trabalha a ameaça do “ser visto” como um fetiche que nutre a relação. Há o medo, mas há o desejo, há o receio de se perder tudo, mas há também corpos que pulsam um pelo outro. Na trama somos apresentados a duas personagens secundárias de suma importância que não vão, necessariamente, se opor à Matias e Rafael, mas vão praticar um jogo de poderes que vai circular entre o interesse próprio e o interesse social. A primeira delas é Fabio (Henrique Barreira), colega de quarto e de companhia de teatro de Matias que disputa com ele o papel numa série de TV que poderá dar o impulso em suas carreiras, rival revestido de amigo e vice-versa. A segunda é Camilo (Ivo Müller), que trabalha em prol da campanha de Rafael como prefeito, e que atua, exclusivamente, para eleição de seu candidato, a qualquer custo, com uso de violência, caso necessário. É simbólico que a figura de Camilo seja servil, não exatamente à Rafael, mas a um aparato estatal que vê nele o melhor candidato. Camilo é o instrumento que aceita a comunidade LGBTQIA+, mas que vai atuar para cingir seus espaços.

Quanto maior o posto de poder que os personagens ocupam, maior a exigência de que sejam podados. Matias e Rafael vão alcançar, em seus ofícios, status de sucesso advindos de uma conquista dura e dificultosa, principalmente, para socialmente oprimidos como eles. Entretanto, o filme vai subverter expectativas na medida em que questiona: até que ponto eles estão dispostos à supressão de seus desejos em prol daquilo que deles é esperado? Por quais motivos seria necessários ceder? O que os impede de serem livres para amar e sentir prazer enquanto, em concomitância, ocupam os espaços públicos que conquistaram?

Caminhando junto do mineiro Parque de Diversões, de Ricardo Alves Jr., tanto na sua temática queer e na abordagem do cruising, quanto na escolha fotográfica que contrasta as noites através das luzes coloridas e sensuais sobre os corpos desejosos e ardentes dos atores (feito também, recorda-se, de Motel Destino), ambos vão funcionar como uma afronta ao conservadorismo, e, também, como um movimento de ocupação de espaços numa sociedade que pode aceitar e acolher pessoas LGTBQIA+, desde que não expandam para além da caixinha que lhes foi previamente estabelecida. Diretores como Reolon, Matzembacher e Alves Jr. fazem do cinema uma arma artística que grita que sim, a comunidade vai expandir e quer se ver representada em seu direito ao prazer.

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