If I Had Legs I´d Kick You | 2025

A dualidade de sentimentos e sensações acarretados pela maternidade já foi tratada pelo cinema à exaustão. Direta ou indiretamente, filmes podem tanto incentivar o desejo de maternar quanto afastá-lo, a depender do quanto penderá para as extremidades da abordagem – se idealizada ou monstrificada. Não há moralismos ou julgamentos, e nem há (ainda bem) certo e errado em fazer cinema. Fato é que alguns filmes vão se tornar desserviço ou podem, até, trazer pontos de vistas criminosos sobre determinados objetos. Mas isso não faz parte do fazer cinema, o modo, o como fazer, é plenamente livre. If I Had Legs I’d Kick You, novo filme de Mary Bronstein que integrou a mostra competitiva da 75ª Berlinale, vai pender ao extremo mais assustador da maternidade. Não vai tornar a mãe uma vilã, mas vai humanizá-la aflorando e exacerbando suas percepções e aguçando seus sentidos como mãe, como mulher, como mulher que trabalha e que não consegue encontrar um minuto sequer de paz.
If I Had Legs I’d Kick You não é o único filme a abordar a maternidade na competitiva da 75ª Berlinale. A produção da A24 caminha ao lado de Mother´s Baby, ambos dirigidos por mulheres, para trazer às telas os encargos de ser mãe e o turbilhão de responsabilidades e sentimentos que acompanham a função, que é muito maior do que a determinada pela biologia. Dentre as tantas possibilidades de tratamento da temática, o longa de Bronstein alcança um status claustrofóbico muito específico, graças ao trabalho de atuação de Rose Byrne, premiada como melhor atriz na edição deste ano do festival, como pelo trabalho de direção que vai fechar nosso campo de visão quase que integralmente na expressão e nas ações da personagem.
A diretora nos permite conhecer as facetas da vida da protagonista de forma gradativa. O que notamos, e que não é oculto, é o extremo e constante nível de estresse que ela se mantém. Ela tem uma filha cuja face não nos é mostrada, apenas escutamos sua voz e os sons que a circundam, o que já é suficiente para que percebamos, a uma, que trata-se de uma menina, uma criança não tão nova, que facilmente entra em desespero e sofre ataques de pânico causados pelo medo da morte, e a duas, que a garota sofre de algum tipo de doença que a faz depender de um aparelho que emite sons o tempo todo, e que causam, na mãe e no espectador, um estado de alerta que não encontra fim.
Sabemos, ainda, que a personagem faz terapia e tem crises de indignação e surtos com gritos e exaltação com seu terapeuta, com ela parece ter uma relação muito complicada. Somos levados a conhecer sua insônia, seu alcoolismo, e sua ansiedade perante a babá eletrônica que a acompanha pelas noites em claro que ela passa tentando comprar vinho. O som do aparelho da filha, se não a persegue pela presença da criança, a acompanham pelo dispositivo que ela não pode, por um minuto sequer, abandonar. Rodeada por estímulos estressantes, expressando-se de forma irritadiça, notório seu cansaço que não encontra alívio, é imensa a ironia e a surpresa quando descobrimos que Linda é, ela mesma, terapeuta, modulando uma aparência pacífica e de compreensão de pacientes que, por irreal, é simplesmente desesperadora.
Sua falta de paz vai ser refletida pela diretora tanto pelos sons incessantes e anormalmente elevados quanto por símbolos que ela insere – o teto que está desmoronando é o mais evidente, potencializando a sensação de que nada ali será passível, um dia, de ser resolvido. A direção agitada estressa o espectador, se mantendo no ritmo da própria personagem. Torna, como na vida, tudo sobre a mãe e nada sobre o pai, e descarrega a pesada (e descabida) culpa materna em qualquer movimento que faz. A escolha de manter o foco na protagonista, que vai enfrentando os acontecimentos mais absurdos, favorece muito o trabalho da atriz, que, com o suporte e força da A24, pode, a partir do reconhecimento da Berlinale, ser um grande nome nas premiações que seguirão.
Quando, finalmente, há silêncio, há alívio, ao menos, por alguns momentos, pois sua causa é consequência do ápice do desespero e exaustão maternos, que encontrou seu limite ao ponto da insanidade, da alucinação, e logo, o silêncio também é um incômodo crescente. Dar cabo de tudo parece, naquela situação, até mesmo uma decisão coerente – mas nem as ondas do mar em que a personagem se joga parecem querer que ela encontre algum tipo de paz, a jogando de volta para a realidade: eis o grande dilema de ser mãe.