La Tour de Glace | 2025

La Tour de Glace | 2025

A musa inspiradora e seus idólatras. A princesa e a bruxa. O mundo real e a fantasia. A mãe e a filha. Todas essas relações, de algum modo, interconectam-se aos contos de fadas infantis, e implicam dualidades que funcionam como espelho. Em La Tour de Glace, dirigido e roteirizado por Lucile Hadžihalilović, e que recebeu o Urso de Prata por notável contribuição artística na 75ª Berlinale, busca unir esses retratos idealizados num estranho jogo de amadurecimento que vai começar pela curiosidade de Jeanne (Clara Pacini), uma adolescente de 16 anos que foge de uma espécie de orfanato onde vive nas montanhas, encontrando abrigo na cidade, num estúdio onde é rodado o filme The Snow Queen, personagem-título vivida por Cristina (Marion Cotillard), uma atriz-diva por quem a jovem é obcecada. Depois de ser descoberta em seu refúgio, a garota começa a trabalhar no filme como figurante, e conhece, diretamente, sua ídola. Uma mútua fascinação surge entre elas, personagens e pessoas reais se mesclam ao ponto do apagamento dos limites da fantasia.

O visual impresso por Lucile Hadžihalilović é, talvez, o que justifica, fundamentalmente, a existência e a condução de La Tour de Glace. Todo o restante, dos personagens à trama, é moldado a partir do estúdio que guarda o cenário alvo e gélido, encoberto pela neve falsa que também cai sobre as árvores desprovidas de folhas e sobre o castelo de gelo onde reina a rainha. O que não é muito claro, pálido e enevoado, é sombreado, escuro, como se um esconderijo, um espaço de ocultação de coisas e situações que não podem ser trazidas à tona. Em que pese apenas um desses dois bem definidos lugares seja destinado ao filme dentro do filme, The Snow Queen, as relações são muito cênicas, e por isso mesmo, dotadas de certa desconfiança.

Se os personagens são moldados a partir do visual impressionante, a própria escalação de Marion Cotillard faz parte da construção desse panorama de beleza imagética. A rainha da neve é ornada com um vestido branco de pedras, uma coroa prateada, e possui os cabelos platinados e modelados em onda. Os olhos grandes e expressivos de Cotillard dão a essa criação gélida uma frieza ainda maior. Como snow queen, ela é imbatível, impositiva e poderosa. Como Cristina, ela é igualmente impositiva, mas guarda uma instabilidade depressiva notória, e sua oscilação vai fazer soar a atração que passa a nutrir por Jeanne um tanto perigosa.

Vai se construindo entre Jeanne e Cristina/Snow Queen uma relação que caminha do já mencionado fascínio, para o voyeurismo, passando por uma troca maternal até tornar-se tensão sexual, sempre perseguida pelo tom de rivalidade evidente entre elas. Jeanne vai ocupando o espaço cedido por Cristina, mas para isso, precisa ceder a pequenas violências. A mais jovem quer fazer-se próxima de sua ídola, ao passo que a diva parece querer sugar a jovialidade de sua fã.

A proposta visual, por si só, de fato, preenche a tela com vigor. A ideia da dualidade entre elas e dos sentimentos dúbios que elas nutrem uma pela outra, parece intrigante. Contudo, quiçá fundamentada na superioridade e elevação da figura da musa, ou mesmo no tempo de queda dos flocos de neve, a diretora promove em La Tour de Glace uma lentidão generalizada. A atmosfera é lenta, os personagens se movem vagarosamente, e a trama, outrossim, amadurece morosamente por picos de tensão causados por estranhezas que vão ficando ainda mais singulares, mas num sentido que não favorece o longa, mas o torna um imenso espaço vazio e, ironicamente, frio e sem vida. Toda a percepção da relação de incerteza entre elas, inclusive, caminha às duras penas, resumida por poucos momentos, sendo seu ápice um tanto desconfortável.

É compreensível, se considerarmos apenas o deslumbramento, a notável contribuição artística visualizada pelo Júri Internacional da 75ª Berlinale. No entanto, além de existir, na mostra competitiva, obras que melhor atendessem ao intuito de tal categoria de premiação (Reflection in a Dead Diamond, por exemplo, é uma delas) La Tour de Glace é uma boa demonstração de como a aparência pode ser chamariz para algo um tanto ordinário e opaco.

Nota:

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