Ernest Cole: Achados e Perdidos | 2025

O exílio de um grande artista
O cineasta haitiano Raoul Peck há anos se dedica a retratar os movimentos de resistência negra. Entre documentários e ficções, passou por histórias de seu país natal, pela luta e morte de Patrice Lumumba, líder revolucionário do Congo, pelo genocídio em Ruanda, e, em seu filme de maior sucesso, Eu Não Sou Seu Negro (2016), levou-nos até o escritor James Baldwin para narrar a violenta história de segregação estadunidense. Ernest Cole: Achados e Perdidos se aproxima muito deste último, quando utiliza as angústias do fotógrafo sul africano para contar sobre os reflexos do apartheid.
Nascido em um vilarejo na África do Sul em 1940, Cole e sua família foram vítimas da política racista no país. Ele presenciou a desocupação de terras, a construção de guetos, o controle e a separação dos espaços para pessoas negras, enfim, viu seu povo ser silenciado e assassinado e o quanto essas ações foram normalizadas pelos olhares externos. Este foi um dos motivos que o levou à fotografia: a imagem como denúncia, histórias que precisam ser registradas para despertarem consciências. Assim, Ernest Cole se tornou o primeiro fotógrafo a revelar ao mundo as atrocidades do apartheid, publicando em 1967 o livro House of Bondage, que logo foi proibido na África do Sul.
Em 1966, fugiu e exilou-se nos Estados Unidos, onde passaria o resto de sua vida sem nunca poder retornar ao seu lugar de origem. Na América não demorou muito para ter seu sonho americano destruído, percebendo, logo, que a vida de um negro naquele território trazia conflitos tão fortes quanto os sul-africanos. Fotografava o cotidiano dos exilados assim como ele, aqueles que foram colocados à margem da sociedade, pessoas que viviam com medo, mas que ainda reuniam forças para lutar. Sentiu a potência que emanava de Martin Luther King, Malcolm X, Stokely Carmichael e os Panteras Negras. Por outro lado, sentiu a impotência da fome e da pobreza que não lhe permitiam subsistir com sua arte.
O que torna a obra de Peck especial não é apenas a temática urgente e de resistência, mas a humanização que traz a seus personagens. Mesmo que sejam figuras célebres, o diretor faz com que pessoas como Baldwin ou Cole sejam símbolos que emergem de um contexto de muita força, como se fossem vozes entre muitas outras que poderiam ser achadas e documentadas. Ernest Cole: Achados e Perdidos não é meramente um filme biográfico que acumula datas e eventos importantes, assim como não era Eu Não Sou Seu Negro, porque é a ligação indissociável da vida de um homem com o mundo que o cerca, que traz indignação, angústia, tristeza e esperança.
Aqui, há um formalismo da imagem que torna o documentário mais engessado, optando por uma montagem feita a partir das fotografias de Ernest Cole, com letreiros informativos e pouquíssimas inserções de vídeos e entrevistas. O foco do cineasta está no texto: fazer de Ernest Cole: Achados e Perdidos um diário reimaginado e narrado pelo próprio fotógrafo desperta todos esses sentimentos citados acima, que nascem das reflexões de um homem negro lutando por existir e fazendo da arte o seu grito contra as injustiças.
A voz de Cole ganha vida pela entonação de LaKeith Stanfield, que carrega o drama íntimo do personagem, fazendo o espectador duvidar que não seja o próprio fotógrafo narrando o filme. Esses elementos que dão peso ao documentário de Raoul Peck acabam compensando o uso de outros que são repetitivos e muito convencionais, como o excesso de zooms-in nas fotografias do artista na primeira metade do longa.
O resultado de Ernest Cole: Achados e Perdidos é um documentário de moldes tradicionais, mas com a força dramática construída por Raoul Peck. A escolha de ficcionalizar a narração dá ao filme a já referida humanização, estabelecendo Cole como símbolo de resistência, alguém que como muitos outros sofreu com o exílio, com a necessidade de se distanciar de sua terra por conta da ganância humana, da opressão que os europeus impuseram (e ainda impõem de muitas maneiras) ao povo negro, seja na América ou na África. Quem não conhecia o trabalho do fotógrafo é apresentado agora a seu talento inegável, mas também às condições que o fizeram e o silenciaram, assim como muitos outros grandes artistas que ainda permanecem ocultos.