Beau Tem Medo | 2023

Beau Tem Medo | 2023

A volta das questões maternas em mais um horror familiar de Ari Aster 

Ari Aster é um nome que, assim como Jordan Peele, vem construindo uma identidade cinematográfica no terror contemporâneo que chama bastante atenção por sua originalidade. Depois dos sucessos de Hereditário (2018) e Midsommar – O Mal Não Teme a Noite (2019), o diretor americano lança seu terceiro longa, agora protagonizado por Joaquin Phoenix e inspirado em um curta-metragem de sete minutos, escrito e dirigido por ele em 2011, chamado Beau. Seguindo a comparação com Peele, diretor que também cresceu a partir de “Corra!” (2017), seu primeiro longa que, como o de Aster, agradou o público e crítica, até o terceiro “Não! Não Olhe!” (2022), filme que dividiu algumas opiniões e que, assim como Beau Tem Medo, coloca o diretor em uma posição mais sólida como autor no cinema de horror.

No curta, Beau (2011) (pode ser assistido aqui), um homem de meia idade está em seu apartamento em um prédio velho e decadente em uma área marginalizada da cidade, falando com a mãe por telefone, combinando de visitá-la. Ele acorda no dia seguinte apressado, pega sua mala rumo ao aeroporto, mas ao abrir a porta de casa para sair, percebe que esqueceu algo no banheiro e vai buscar, deixando a chave na fechadura e a mala no corredor. Quando retorna à porta, sua chave e mala haviam desaparecido. A partir daí o homem entra em uma paranoia de medos, dos barulhos nos corredores obscuros do prédio e da vizinhança assustadora à sua volta. Ele também precisa lidar com a decepção que causa em sua mãe, ao lhe informar que não terá mais condições de viajar para vê-la. É exatamente dessa forma que Aster decide começar Beau Tem Medo. Com algumas alterações de roteiro, o curta se tornou uma introdução caótica do que está por vir.

A maternidade e questões de família mostram ser temas importantes para o diretor, pois vem sendo explorado por ele em diversas outras obras, como em seu curta-metragem mais conhecido, The Strange Thing About The Johnsons (2011) (pode ser assistido aqui), quando ele traz o horror familiar sanguinolento, onde uma família negra americana vive um pesado contexto de incesto. Também em  Munchausen (2013) (pode ser assistido aqui), onde uma mãe super protetora teme perder o filho para a namorada e para os estudos, chegando a atitudes extremas para mantê-lo por perto. Também em Hereditário, onde Toni Collette vive uma mãe relapsa e perturbada, consequências da criação que recebeu de sua própria mãe.

Em Beau Tem Medo, a mãe de Beau, Mona Wassermann  (Patti LuPone) é uma empresária de sucesso no ramo de segurança e sua figura mal aparece no filme (antes do ato final), mas é ela quem move o protagonista, seja pela enxurrada de traumas que ele carrega consigo desde a infância, ou pela voz motriz remota, que cria situações para que Beau se movimente nessa epopeia cinematográfica perturbadora de Aster. 

O senso comum de que o “amor de mãe” é um amor incondicional é quebrado, quando uma mãe narcisista faz do seu amor uma condição para ser também amada por seu filho. Beau cresce sem pai e sem saber nada sobre ele, fato que o atormenta e é explorado em sessões de terapia, com questionamentos deveras incômodos por seu, muitas vezes tendencioso, analista. Há uma grande ironia no fato de Mona ser uma profissional especialista em segurança e criar um filho extremamente amedrontado com a vida, inseguro e cercado por limitações psicológicas incapacitantes que vão refletir em sua relação com o mundo, com o sexo e em sua impossibilidade de constituir uma família.

O longa vai avançando e a direção mescla sensações que remetem cada vez mais à infância, passando por cenários de peça de teatro infantil e fantasia, sempre como uma busca por um acolhimento familiar angustiante e defeituoso. Um filho sem pai, uma mãe sem filho, um pai inconcebível, algo está sempre faltando e um cenário familiar completo não é possível em Beau Tem Medo. Se no primeiro ato Aster nos apresenta um Beau adulto de meia idade, no decorrer do longo segundo ato, ele nos mostra um personagem que é “adotado” por uma família que perdeu seu filho, em uma posição completamente dependente, usando pijamas com seu nome bordado, colocado em um quarto cor de rosa, cheio de tons pastéis e cartazes de anime de uma adolescente, sendo cuidado e alimentado como uma criança. Entre essas situações, acompanhamos flashbacks da versão jovem de Beau (Armen Nahapetian) e suas dificuldades na puberdade castrada pelo medo.

Aster foge do terror psicológico característico de gênero utilizado em seus longas anteriores e conduz uma narrativa dramática mais disruptiva com pitadas de humor negro e ironia, que pode ser comparado com as escolhas de Iñárritu em Bardo (filme que, ao contrário deste, decepciona pela forma como utiliza a linguagem para chegar ao fim pretendido) e de Aronofsky em Mãe!, trabalhando traumas e questões psicológicas através de muitas metáforas, sonhos que se confundem com realidade e lembranças que se confundem com sonhos, para contar essa história. 

No ato final, assim como em Hereditário, o diretor explora a figura da casa e, mais especificamente também, o ambiente do sótão, para revelar questões cruciais e apavorantes. Mostra por meio de um julgamento e de um confronto direto que mãe e filho sempre evitaram, as razões por trás de uma maternidade amarga e de um pai sem nome. 

Por todas as voltas que Beau Tem Medo dá (e são muitas), prepare-se para encarar o desdobramento de uma ideia inicial de sete minutos que se desenvolve em uma exagerada, visualmente exuberante e alucinada saga surrealista de cerca de três horas sobre culpa, abandono, narcisismo e violência psicológica, artifícios que certamente irão dividir opiniões, sem muito meio termo.

Nota:

Author

  • Jornalista carioca, estudou cinema na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, certificada em roteiro pelo Instituto de Cinema de São Paulo. Ama cinema de horror e os grandes clássicos.

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