Nada Sobre Meu Pai | 28º Festival É Tudo Verdade

Nada Sobre Meu Pai | 28º Festival É Tudo Verdade

O Equador, assim como outros países da América Latina, sofreu com o militarismo entre as décadas de 60 e 80. Durante esse período, muitos integrantes dos movimentos de resistência precisaram deixar, principalmente, a capital, Quito. Um dos destinos dos resistentes “expulsos” de sua própria terra foi o Brasil, imensidão territorial que privilegiava o esconderijo.

Susanna Lira, diretora do documentário Nada sobre Meu Pai, guarda parte de sua origem nesses acontecimentos. Nascida no ano de 1970, conhece seu pai apenas pelas histórias de sua mãe. Desconhece seu nome verdadeiro, sua idade exata, seu paradeiro, e tem consigo somente o apelido/codinome deste homem militante, a informação de que era de Quito e que esteve no Brasil no início da década de 70.

Dotada desses poucos elementos, Lira parte para o Equador em busca de seu pai, ou, ao menos, o preenchimento da lacuna de sua origem. Nada sobre Meu Pai acompanha a diretora na investigação, perpassando pelas pessoas que cruzaram seu caminho e que são suspeitas da paternidade procurada.

O cruzamento com tais homens possibilita que a diretora não faça uma busca limitada por sua ascendência, permitindo também que percorra histórias pessoais de resistência contra a ditadura equatoriana de forma mais abrangente. Coincidentemente encontrando um documentarista como um de seus suspeitos, Lira intercala seus registros no Equador com imagens do regime e seu ditador, aproximando o espectador da realidade sofrida por aquele país.

A fragmentação de sua história se reflete na imagem. A opção da diretora por não preencher a tela com seres humanos completos e apresentar a si mesma com rara nitidez, se interessando mais por partes isoladas de corpos e objetos específicos, compõem os pedaços e as lacunas trazidas por essa total ausência familiar paterna. Lira se mostra fragmentada.

A busca pessoal de Susanna Lira direcionou-a a caminhos e coincidências que muito favoreceram não só a construção do filme, mas também a constituição da imagem de seu pai em seu imaginário. Há muito acolhimento em seu caminho, e cada um dos homens suspeitos da paternidade acrescentam algo de muito peculiar e reflexivo ao filme, cada um a sua forma. A troca de experiências de vida, a capacidade de escuta de Susanna, enriquecem sobremaneira o filme-memória que se constrói.

Unindo os pedaços compartilhados por cada um desses possíveis pais e conectando-os a um país que, assim como ela, carece de uma identidade plena pela falta de conhecimento de sua própria história, Susanna Lira consegue criar a memória do lado paterno que nunca vivenciou.

No mais, pode se tornar um tanto incômoda a constatação de que há, entre tais homens,, além da militância em prol da luta contra a ditadura, uma padronização negativa que os une: a facilidade masculina em procriar e não exercer o papel paterno. O que os acoberta aqui é o regime militar e a urgência em resistir. Às mães e mulheres da época, parece ter sido relegado o papel materno. Enquanto os homens lutam, as mulheres criam seus filhos. Parece que ao homem há a escolha de ser pai, direito que não é compartilhado pela mulher. Tal é o padrão masculino que continua reverberando na sociedade atual, agora, sob outras roupagens. A diretora homenageia sua mãe e todas as mães desse tempo, mulheres que não só pelas circunstâncias de sua época tornaram-se mães solo, mas principalmente pela facilidade masculina de abandono.

O encerramento de Nada Sobre Meu Pai rende belas imagens, pois Lira parte em busca da paisagem perfeita para refletir sua cura pessoal. Encontra na neblina densa a autodescoberta, um conforto e uma aceitação a respeito de sua ascendência e de sua história. Junta os fragmentos incompletos que tanto procurou, encontrando-os não na figura paterna ansiada, mas sim, dentro de si mesma.

Nada sobre Meu Pai pode ser assistido em São Paulo no dia 17 de abril às 20h30 no Cine Marquise e na Cinemateca Brasileira – Sala Grande Otelo às 19h do dia 18 de abril. No Rio de Janeiro, será exibido no NET Rio – Sala 3 dia 17 de abril, às 18h.

Nota

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