Nossa Senhora do Nilo | 2019

Nossa Senhora do Nilo | 2019

“os gorilas são muito espertos, quando viram que seus companheiros macacos tinham se tornado homens e passavam seu tempo matando uns aos outros, os gorilas se recusaram a se tornar homens” – trecho do filme

Nossa Senhora do Nilo, dirigido por Atiq Rahimi, é um filme pretensioso que busca revisitar um tema complexo e já explorado pelo cinema: as disputas entre tutsis e hutus após a independência de Ruanda, na África Oriental. Diferentemente de Hotel Ruanda (Terry George), filme mais clássico sobre o tema, o longa de Rahimi se propõe a reconstruir a vida em Ruanda antes da independência proclamada por Hutus. Assim, conhecemos a realidade do país a partir de um instituto de educação criado para mulheres da elite local ainda em um contexto de dominação colonial. A escalada de violência que levou a um dos mais aterrorizantes processos de genocídio modernos promovidos contra os tutsis é apresentado apenas de modo breve no ato final.

O grande mérito de Nossa Senhora do Nilo reside justamente em apresentar essa Ruanda pré-independência com os traços marcantes da violência colonial. Nesse sentido, compreendemos junto às jovens estudantes que os personagens brancos daquele ambiente são perigosos, que deles se deve desconfiar e que mesmo em suas ações aparentemente bem intencionadas é bem provável que haja também violações a aspectos da cultura local que são, quando muito, apenas superficialmente conhecidos por esses colonizadores.

Nossa Senhora do Nilo consegue apresentar diversas formas pelas quais a violência se expressa naquele contexto. A admiração de pessoas, aromas e sabores tipicamente europeus, bem como a forte presença de símbolos e de lideranças católicas, indicam a imposição de um padrão estético, cultural e religioso pela estrutura colonial. Esse processo vem acompanhado do apagamento de histórias tradicionais dos povos africanos e a sua redução a espaço físico, enquanto a Europa é compreendida como o local da civilização, dos que possuem história. O longa de Rahimi consegue, ainda, expor as contradições presentes nessa estrutura e como, para não ter que lidar com elas, a Igreja e os poderosos ditos “civilizados” admitem até a mais brutal violência física.

Inspirado no livro de mesmo nome de Scholastique Mukasonga, autora que sobreviveu à Guerra Civil e ao massacre no instituto de educação retratado no longa, Nossa Senhora do Nilo encontra seus limites ao apresentar períodos e aspectos tão diferentes de uma realidade complexa de forma breve, para não dizer apressada. A narrativa dá saltos que deixam o espectador um tanto quanto perdido. Para quem pouco sabe do conflito de Ruanda e dos processos políticos que desencadearam uma das experiências mais trágicas da história da humanidade, o filme é pouco didático. E o pior: corre sérios riscos de induzir conclusões que percebam a violência da estrutura colonial como uma espécie de mal menor diante da tamanha tragédia que verificamos após a sua retirada. Esse é o risco que se corre ao saltar de forma perigosa sem indicar claramente como o processo de genocídio decorre da própria existência da estrutura colonial e não do seu fim.

NOTA

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