Love Lies Bleeding | 2024

Love Lies Bleeding | 2024

O cinema contemporâneo feito por mulheres possui uma certa crueza muito positiva. Não há receio do repugnante. Consegue se equilibrar perfeitamente entre o repulsivo e o doce. Love Lies Bleeding é muito eficaz em seus equilíbrios: o amor e a violência, o romantismo das estrelas e a desfiguração humana, o sangue e o afeto. Trabalhando com corpos contrastantes, Rose Glass usa do fisiculturismo e da hipertrofia para construir um conto de amor e proteção entre um casal composto por Lou (Kristen Stewart) e Jackie (Katy O’Brian), a primeira uma gerente de academia e a segunda uma fisiculturista que sonha em ganhar um concurso em Las Vegas.

Essa brincadeira possibilitada pelo corpo em crescimento é um prato cheio para a diretora. Ela tira proveito da organicidade dos músculos para fabular sobre ele, usando sua matéria para construir uma narrativa extremamente física. Toda essa crueza já é demonstrada na cena inicial, em que a personagem de Stewart é introduzida a partir de um vaso sanitário que ela precisa desentupir. Lou é uma mulher que parece não se encaixar naquele contexto de culto ao corpo, mas ainda assim esse é seu ambiente de trabalho.

Jackie é um contraste de Lou. Uma nômade em busca de um sonho, uma mulher que nega o violento, porém precisa trabalhar num clube de tiro para sobreviver e perseguir seu objetivo. Enquanto há calor em Jackie, em Lou há uma certa amargura. O magnetismo entre as duas é imediato.

Esse calor vive no filme para além da personagem, integrando as cores e sua atmosfera como forma de favorecer esses corpos através do suor, e também como exacerbador do ciclo de violência que se inicia e que guarda relação com o  círculo familiar de Lou. Seu pai, personagem de Ed Harris, é líder de uma organização criminosa e dono não só do clube de tiro em que Jackie trabalha como também da academia que Lou gerencia, apesar da falta de qualquer relação entre eles. A irmã de Lou, personagem de Jena Malone, é uma mulher presa em um relacionamento abusivo e extremamente agressivo, carregando uma brutalidade nas marcas de seu rosto que tornam a violência onipresente e incômoda.

Rose Glass subverte muitos conceitos masculinos em Love Lies Bleeding. O uso da força corporal em um sentido de proteção é algo muito inerente ao homem. Aqui, entretanto, as mulheres negam e repudiam essa concepção, mas não possuem outro caminho que não utilizá-la para proteger as pessoas amadas. Lou carrega esse instinto protetivo. Guarda uma obrigação fervorosa de estar perto da irmã como se para evitar uma tragédia, e um fervor semelhante será dedicado à Jackie. Esta, por sua vez, é a detentora da força bruta e física que Lou não detém, e são os seus atos e a transformação de seu corpo que vão deslocá-la do lugar de repulsa à violência para colocá-la como sua praticante, como forma de defesa e proteção.

Essa força vai chegar ao seu ápice e ser elevada da forma mais deliciosa e absurda possível por Rose Glass, que novamente se apropria e subverte conceitos para tornar Jackie uma super e grande protetora. Nessa fábula de amor e brutalidade, a vingança é sangrenta, mas especialmente agridoce.

Nota:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *