Copa de 71 | 2024

Copa de 71 | 2024

O apagamento histórico da Copa do Mundo Feminina no México e uma luta conta o sexismo nos esportes

Os percalços da mulher para conseguir um pequeno pedaço de um lugar ao sol, quando se trata de uma área majoritariamente masculina, é algo que atravessa o tempo com uma história de luta e muita persistência. Se nós, mulheres, enfrentamos essas dificuldades em setores de trabalho como, por exemplo, no mundo corporativo, imagine quando falamos em futebol. O ato de praticar esportes em geral sempre foi algo atrelado à forma e ao gênero masculino, desde as primeiras manifestações na Grécia Antiga, quando o culto ao corpo e aos músculos eram latentes. Nas primeiras Olimpíadas só podiam participar das competições homens livres nascidos nas cidades-estado gregas, enquanto mulheres, escravos e estrangeiros eram proibidos de competir.

Veja bem, as mulheres, historicamente, já vinham sendo classificadas como incapacitadas e desqualificadas simplesmente por seu gênero, assim como os escravos e estrangeiros, vistas como pessoas menores, independentemente de suas habilidades físicas. O tempo passou e saindo da Grécia Antiga para o mundo globalizado, essa questão pouco avançou, na realidade, engatinhou. Hoje, em 2024, temos mulheres competidoras, temos campeonatos exclusivamente femininos transmitidos em rede nacional, mas isso graças a um caminho muito tortuoso, que para o futebol feminino, começou na década de 70. 

Copa de 71 é um documentário dirigido pela diretora estreante Rachel Ramsay e por James Erskine, que já dirigiu diversos documentários sobre o universo esportivo, onde mostram ao mundo e denunciam, mais de 50 anos depois, a existência e os percalços da realização da primeira Copa do Mundo Feminina da história, que aconteceu em 1971 na Cidade do México, apenas um ano após a Copa masculina, que ocorreu no mesmo local. Você provavelmente não sabia da existência desse campeonato, assim como eu, e isso tem motivos bem claros. A Copa de 71 nunca foi reconhecida oficialmente pela FIFA (Federação Internacional de Futebol) e pouco reverberou na mídia após seu acontecimento. Mas o fato é que ela existiu e teve a maior bilheteria das Copas do Mundo até o ano em questão, transbordando estádios, enchendo hotéis e aeroportos no México. 

A obra usa uma montagem que mescla depoimentos formais de ex -jogadoras de diversos países competidores, hoje mais velhas e recordando seus momentos ora com uma nostalgia boa, ora com um gosto amargo do que passaram em 71. Há também a utilização de imagens de arquivo dos jogos, muitas cenas de partidas importantes e dos estádios com público máximo e muito vibrante. O filme consegue um dinamismo que empolga e chega a levantar o público nas poltronas do cinema, como se certas vezes fossem transportados ao estádio, reagindo a um gol, a uma contusão grave ou às roubalheiras do Árbritro mexicano em defesa da seleção de seu país.

Tudo o que aconteceu em 71 não difere de uma Copa do Mundo convencional, ou seja, masculina. Temos seleções preparadas e dispostas, temos um grande público pagante e patrocinadores, um sucesso. O fato curioso foi que, mesmo sendo um evento bem sucedido, logo após o término do campeonato, todas as jogadoras retornaram a seus países de origem e foram sumariamente esquecidas pela mídia, dispensadas pelos realizadores da Copa e impedidas de seguir treinando em campos pertencentes a clubes de futebol, obrigando-as a encerrarem as atividades no esporte após a participação na Copa. O próprio Evento  só ocorreu porque o dono de uma grande empresa de TV mexicana possuía direito sobre um grande estádio de futebol, e, vendo potencial midiático e financeiro, resolveu passar por cima da decisão da FIFA, que foi sumariamente contra a sua realização. 

Copa de 71 acaba se tornando um grande manifesto anti-sexista que explicita a luta de mulheres para conseguirem praticar esporte profissionalmente e terem o direito de competir, como todo ser humano deveria ter, mas que sempre foi um direito concedido apenas aos homens. O documentário nos faz experienciar sentimentos conflitantes por essas mulheres, que conquistaram fãs de todas as idades e gêneros, e que vibraram e torceram por elas; ao passo que também são diminuídas e massacradas pelos “homens no comando”, sempre tentando podar seu potencial e negando incentivo.

 Suportando argumentos como “praticar esporte faz mal ao corpo da mulher” e sem mais nenhum embasamento que justifique a falta de permissão de federações e até de organizações menores de incentivar o esporte para mulheres, as jogadoras seguiram em frente, mesmo não recebendo por seu trabalho, resistiram e concluíram uma belíssima Copa, que serviu de base para o caminho que está sendo trilhado hoje no futebol feminino no mundo todo.

Nota

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