Sean Eternxs | 2023 | 17º Cine BH

Sean Eternxs | 2023 | 17º Cine BH

Por Francisco Vidal

A beleza e complexidade de Sean Eternxs, novo longa de Raul Perrone, está em como ele busca retratar um momento humano tão universal, mas também tão específico: o processo de autodescoberta durante os anos da adolescência. O fluxo de imagens e sons destes jovens adolescentes argentinos, mostrando seus relacionamentos em clubes, em festividades ,e em andanças vagantes pela vizinhança, cria o sentimento duplo de estarmos presenciando ao mesmo tempo um presente material e concreto e uma memória longínqua de um passado que já se desvaneceu. A câmera é como um fantasma de alguém visitando seu próprio passado. 

Sean Eternxs é um retrato de jovens adolescentes que vivem seus momentos de lazer sobre a sombra da violência e do tráfico em sua vizinhança,  é uma obra que consegue captar momentos de beleza plena, por ser uma jornada sensorial que modula o sentimento adolescente inefável de estar sentindo a vida com mais intensidade, cada gesto e cada momento tendo uma sensualidade e potência de um acontecimento. O preto e branco granulado, a imagem que se  desacelera e muda de velocidade, a distorção sonora que a trilha embarca em certos momentos, ressaltam a ideia de um cinema intempestivo. 

A juventude filmada por Perrone é familiar, com suas paixões, ciúmes e amizades, e pertence a um contexto social específico, de violência que é normalizada, apresentada pela narração em off de um homem relembrando os seus anos de adolescência. Tal narração guia todo o estilo recordativo da obra, que cria certo distanciamento por se passar em 2019, criando uma ambiguidade se o que vemos é uma reencenação da descrição sonora feita por este homem, ou se esses dois mundos similares existem em uma relação de analogia, de uma estrutura social do passado e futuro que ainda se mantém fixa na Argentina moderna. 

Apesar da violência latente desse universo e sua descrição contínua pelo narrador e através dos diálogos de personagens, ela não se apresenta de forma tão frontal pelo longa, que se interessa mais em criar uma ambiência de um tempo suspenso, pelos encontros sociais e comunitários destes jovens. Como uma espécie de álbum de memórias, um álbum possuidor de uma beleza e também de uma violência submersa indissociável. 

A maneira com que os personagens, jovens e adultos, criam resistência contra a estrutura dominante é através do afeto, seja por um grupo de amigos ajudando uma colega a ir ao hospital, ou um grupo de estranhos se conectando pelo compartilhamento de suas mágoas passadas de relacionamentos frustrados em um bar. A singeleza desses gestos, contrastada com o ambiente agressivo que habitam, mostra uma maneira de resistir e de experienciar esse universo através da  simples abertura ao outro. 

Há uma bela cena na metade final do filme, em que um rapaz atravessa uma marcha musical festiva e encontra uma garota por quem ele tem uma certa paixão, e ocorre na imagem uma ruptura em que o preto e branco se converte em colorido, as cores surgem pela primeira e última vez, e desaparecem com o distanciamento da jovem. É um momento que exemplifica a procura de Perrone em Sean Eternxs: como o gesto da memória é colorido e marcado pela intensidade de encontros em uma comunidade, como a diferença da cor representa justamente esse acontecimento de um encontro irrecuperável, mas que pode passar por um processo de tentativa de eternizá-lo através do cinema.

O filme foi visto na cobertura do Cine BH.

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