O Melhor Está por Vir | 2023

O Melhor Está por Vir | 2023

Não parece haver muitas dúvidas acerca da inventividade de Nanni Moretti, diretor italiano de 70 anos de idade. Sua prolífica filmografia indica sua relevância para o cinema contemporâneo: já foi ganhador da Palma de Ouro, já foi presidente do Júri em Cannes, já ganhou o Urso de Prata em Berlim e o Leão de Prata em Veneza. O cineasta volta aos cinemas em 2023 com O Melhor Está por Vir.

Parece que sua posição atual lhe permite, sem maiores obstáculos, fazer o filme que quer e da forma que quer, alguns mais implicados no que concerne à linguagem cinematográfica, outros mais despojados, soltos. O Melhor Está por Vir, filme que Moretti dirige e atua, parece estar neste segundo grupo, realizando uma reflexão pretensamente bem humorada acerca do cinema contemporâneo.

A trama gira em torno de Giovanni (interpretado por Nanni Moretti), um diretor de cinema que está rodando um filme sobre a chegada na Itália do grande Circo Budavari, da Hungria. Tal atração está sendo trazida pelo Partido Comunista italiano. 

Todavia, durante a estada dos húngaros, a Hungria passou a ser severamente atacada pela União Soviética, “forçando” o Partido Comunista italiano, que banca a atração em solo italiano, a se posicionar formalmente. Em uma cena extremamente bem executada e montada, é apresentado ao espectador o momento em que todos estão tomando conhecimento daquela trágica notícia: enquanto os artistas circenses ficam estarrecidos ante o horror da guerra que atinge a Itália, Vera (interpretada por Babora Bobulová), membra do Partido Comunista italiano, com uma incauta incredulidade, afirma: “não acredito que os invasores são comunistas como nós”. Aqui, há uma mostra da citada inventividade de Moretti: ele usa uma cena do filme que seu personagem está dirigindo, para trazer interessante peso dramático para ambos os filmes, afinal, há um “filme dentro do filme”.

Durante as filmagens, Giovanni, em conversa com o produtor Pierre (interpretado por Mathieu Almalric), ouve de seu colega que o filme que rodava era subversivo, afinal, o Circo seria uma metáfora do cinema contemporâneo, em que os artistas estão suspensos na corda bamba, sem saber o que irá acontecer. De forma absolutamente competente, ao indicar que o filme rodado por Giovanni acaba por ter o mesmo foco do filme rodado por Nanni Moretti (que, como dito, interpreta Giovanni), coloca o filme entre o documental e o ficcional, posicionando-o em um doce penumbra que deixa o espectador especialmente atento para saber se o que ocorre é “o real” ou não.  

Quando Pierre é preso e Giovanni precisa buscar outras formas de financiar sua obra, O Melhor Está por Vir ganha um tom bastante diferente, que por meio de esquetes (ou algo bem próximo disso), apresenta um cenário em que um cineasta idoso, totalmente mal adaptado à “modernidade e suas tecnologias”, encontra sérias dificuldades em lidar com tudo que está em jogo para ver seu projeto se desenvolver. Seguindo neste tom, Moretti tenta aproximar seu filme de algo mais bem humorado e, sobretudo, mais ácido a partir deste despojamento e liberdade. 

Quando mirado a este rumo, o longa-metragem se alinha a boa parte da cinematografia do diretor, fazendo com que quem gosta de seus filmes passe a ter altíssimas chances de gostar deste também.  

Na busca por financiamento para o longa, essas esquetes acabam por sempre resvalar em um “duelo” do velho versus o novo. Assim, é que sua esposa Paola (interpretada por Margherita Buy) passa a trabalhar em um filme de um diretor jovem; sua jovem filha passa a relacionar-se com um homem de (bem) mais idade; nas filmagens de seu filme ambientado na década de 1950, as cenas acabam por serem descartadas por ter algum objeto “moderno” que não existia à época interpretada. 

Nestas cenas, há alusão ao apego ao passado por parte de Giovanni e sua contrariedade ao que parece não fazer sentido nesta modernidade. Há, também, a consciência acerca do passar do tempo, a vontade de produzir mais e a certa incapacidade de conseguir viver sozinho, diante da decisão de sua esposa de divorciar-se. 

Entre estas cenas, duas se destacam e indicam o “ataque” mais frontal de Moretti “ao que estão fazendo com o cinema”: a primeira é a reunião de Giovanni com executivos da Netflix, que quase como autômatos, repetem sem cessar que as obras do streaming são vistas em cento e noventa países e, quando escutam Giovanni fazer menção à obra dos irmãos Taviani, passam a lecionar como se deve fazer um filme atualmente: é preciso estar totalmente consciente que “os espectadores decidem se irão assistir o filme nos dois primeiros minutos”. 

Em outro ataque mordaz, o cineasta faz uma visita ao set de gravação em que sua esposa trabalha e, ao assistir a cena que está sendo gravada por um jovem diretor, o interrompe longamente e o questiona acerca dos seus métodos e, sobretudo, a violência empregada na cena.

Ao conseguir que produtores coreanos financiem seu filme, Giovanni parte para a finalização do seu longa já mudado em relação à experiência pela qual passou, a de conhecer este contexto trazido pela nova geração e suas ideias. Ou seja, ter feito esta jornada em que foi defrontado com a forma de fazer um Cinema que ele não mais reconhece. É assim que, apesar de questionar os métodos do jovem diretor, simplesmente desiste de tentar continuar mudando a sua ideia e a cena acaba por ser filmada da mesma forma com que foi pensada inicialmente.

Giovanni percebe que deve buscar paz nesta luta contra a torrente e é, ao fim, esta a perspectiva trazida por Moretti em O Melhor Está por Vir, sobre (tentar) ficar confortável com os novos rumos , sem abrir mão do sarcasmo, humor e leveza.

Clicando aqui você pode ler nossa crítica de Tre Piani, também dirigido pelo italiano.

O Melhor Está por Vir estreia nos cinemas do Brasil no dia quatro de janeiro de 2024.

Nota:

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