I Shall Not Hate | 2024

I Shall Not Hate | 2024

O povo palestino vive há décadas a opressão provocada por Israel. Nós, tão distantes, conseguimos ter uma breve ideia do que se passa por lá ao vermos as imagens que circulam nas redes sociais. Podemos, talvez, imaginar a dor daqueles que nunca viveram um momento de paz em suas vidas e veem seus familiares e amigos estraçalhados pelas bombas. Mas, ao ouvirmos os gritos de Izzeldin Abuelaish, que acabara de perder três filhas e uma sobrinha nos ataques a Gaza, descobrimos que isso é impossível, inimaginável. Essa incompreensão dos atos humanos nos leva naturalmente ao ódio, a um sentimento de vingança. Entretanto, diante de tudo, Abuelaish consegue dizer a si mesmo: “eu não posso odiar”. I Shall Not Hate é um tocante relato da luta pela paz desse médico que, ainda assim, prega a conciliação entre os povos.

A diretora Tal Barda, franco-americana que vive em Israel, opta por fazer um documentário em tom jornalístico, sendo bem didática na abordagem do conflito e das entrevistas. Abuelaish foi o primeiro médico palestino a trabalhar em um hospital israelense, realizando partos. É a sua narração indireta que faz surgir as imagens, ou seja, sua história nos leva às filmagens documentais que contextualizam a guerra e aos outros personagens que cruzaram seu caminho e que ajudam na contação de sua tragédia.

Por mais que o documentário jornalístico tenda a ser mais fechado, explorando pouco o olhar afetivo da câmera, I Shall Not Hate consegue ser extremamente sentimental. Barda não hesita em mostrar a emoção de seus entrevistados diante da dor que relatam. Criado em Jabaliya, um campo para refugiados palestinos em Gaza, Abuelaish sempre teve nos estudos uma linha de fuga à violência. Ao se tornar médico, negava-se a enxergar pessoas por suas etnias, suas crenças e condições. Ganhou notoriedade justamente por sua bondade e pelas palavras de conciliação que sempre pregava. Fez amigos israelenses e palestinos, e sempre era questionado sobre como conseguia viver na opressão e por não ver Israel com ódio. Todos os dias precisava passar pelo portão de controle que Israel impunha aos palestinos, no que uma das entrevistadas chama de “uma das maiores prisões a céu aberto do mundo”. Para Abuelaish, nada disso parecia despertar em si o ódio, mas sim um discurso de amor e paz.

O filme passa, então, a explorar a nobreza do espírito do Dr. Abuelaish que, mesmo confrontado com a tragédia em sua vida, conseguiu permanecer firme em seus ideais. Sua família morava em um prédio que ele mesmo construiu para si e seus irmãos. Uma noite, quando todos estavam dormindo, um tanque de guerra atirou em um dos andares, no apartamento dos Abuelaish. Três de seus seis filhos morreram, Bessan, 21 anos, Mayar, 15, e Aya, 13, além de sua sobrinha Noor, de 17 anos. O motivo do ataque nunca foi explicado por Israel, justificando apenas que se tratava de um estado de guerra, portanto, algo assim poderia simplesmente acontecer.

Após esse fato, Abuelaish ligou para seu amigo que era âncora de um jornal israelense. A ligação foi transmitida ao vivo, todos ouvindo os gritos de um pai que acabara de perder suas filhas. Ele perguntava o porquê. Como é possível alguém fazer esse ato voluntário de bombardear uma casa civil no meio da noite? Essa cena é uma das mais marcantes do filme e de toda a história do genocídio contra os palestinos.

I Shall Not Hate não se isenta de posicionamento, sendo claramente contra a injustificável guerra, e faz da sua missão evidenciar a incompreensão desse conflito tão duradouro. Não há explicações humanas que não sejam aquelas norteadas pelo ódio e pela ganância. Assim como seu personagem, Barda quer a paz. Abuelaish nos diz que ninguém nasce com ódio, mas somos ensinados a isso. Aprendemos a ver os outros como diferentes e que isso é errado. Aprendemos que o outro deve ser dominado e não conciliado.

Então, a mensagem muito bem transmitida é a de uma educação contra o ódio. Precisamos combater esse sentimento que domina a sociedade causando a morte. Bessan, Mayar, Aya e Noor vivem nos propósitos de Izzeldin Abuelaish, que escreveu o livro que inspirou o documentário. A palavra necessária é paz, e por sua dedicação a ela Abuelaish foi indicado ao Prêmio Nobel por três vezes.

I Shall Not Hate é uma obra importante, de extrema urgência. Tal Barda sabe exatamente disso e nos brinda com um filme emocionante, cheio de indignação, mas também de esperança na humanidade.

Nota:

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