Eros | 2024

Eros | 2024

uma investigação por dentro do universo dos motéis brasileiros

A intimidade do sexo é algo que geralmente é preservada e restrita aos participantes do ato, por isso talvez seja um tema, que, quando explorado, desperta curiosidade, seja na mídia, na TV ou no cinema. Na sociedade, o sexo convencionalmente é feito dentro de quatro paredes. É no Motel onde ele ganha um lugar fora de casa e também das ruas. A cultura de se frequentar motéis é algo intrinsecamente brasileiro, um prédio inteiro com diversos quartos destinados ao aluguel temporário de seus espaços para o ato sexual. Por convenção é isso, mas será que é somente isso? Em Eros, a diretora brasileira estreante em longas-metragens, Rachel Ellis, explora e nos faz espiar junto com ela experiências bastante diversificadas de pessoas e suas relações com os quartos de motéis pelo país.

Munida de um material cru e espontâneo, onde diversas pessoas aceitam filmar a si mesmas em seus momentos de intimidade no Motel, Ellis traça uma interessante investigação sobre esses momentos. Longe de ser um documentário pornográfico, é um filme sobre comportamento. Bastante interessante observar e perceber, através das lentes dirigidas por amadores, que o ato do registro é bem recebido pelos personagens do filme, que não se podam, nem se acanham em mostrar detalhes do que gostam de fazer e do que fazem. Como um casal heterossual de mais de 40 anos, que vai ao motel quebrar a rotina do casamento, o homem se mostrando meio rabugento e a mulher cheia de vontade de aproveitar o momento e mostrar, de fato, sexo para as lentes.

Os personagens pegam as câmeras, montam tripés e um ring light e narram suas motivações de estarem ali. Alguns fazem questão de mostrar os detalhes do quarto que estão ocupando, as peculiaridades de cada ambiente, que são bastante distintos. Vemos um espaço diverso e democrático, para todo tipo de gente, todo tipo de casal e até para quem decide ir sozinho. Há quem vá profissionalmente e a maioria por puro lazer. Um casal de jovens rapazes mostra o quarto onde costumam ir, e, já bastante à vontade, conversam sobre coisas pessoais e depois nos fazem explorar com eles uma enorme banheira com paredes de pedra. Em contrapartida, vemos duas mulheres e um homem que alugam um quarto com temática religiosa, onde fabricam conteúdo sexual para internet, em uma dinâmica mais inusitada e protocolar.

O primeiro motel do mundo surgiu em San Luis Obispo, na Califórnia, com o intuito de oferecer aos motoristas uma opção prática e com melhores preços para descanso na beira da estrada. Os Estados Unidos não era conectado por estradas de boa qualidade e passou a ser comum pessoas fazerem longas viagens de carro, que poderiam durar dias, necessitando de paradas para dormir. No Brasil, os motéis surgiram como locais para encontros amorosos, em decorrência de  hotéis comuns não permitirem estadias de curta permanência. Então foi aqui que a instituição “Motel” como um lugar destinado à prática sexual ganhou força e significado. Eros investiga esse espaço e os espaços que as pessoas ocupam dentro desses quartos, desmistificando um pouco o teor puramente erótico ligado ao ato de se estar em um motel.

Em quase todos os encontros filmados podemos notar muitos momentos de conversa, descontração e o compartilhamento de intimidade em um sentido mais amplo do que o puramente sexual. A cultura de se jantar em motéis chama bastante atenção, desde um lanche com batatas fritas, até um prato completo com arroz e feijão, a hora da refeição é uma parte desse ritual que o brasileiro incorpora e usufrui como se estivesse simulando um escape do seu cotidiano, uma volta fora da curva do dia a dia. Sem o propósito protocolar da necessidade de descanso dos viajantes americanos, mas com o intuito de se satisfazer, em uma fuga rápida, divertida, com banheira e luz colorida.

A diretora consegue captar a espontaneidade de seus personagens, em uma abordagem acertada, que ajuda a desmistificar e naturalizar a intimidade entre os casais e observar seus comportamentos. Mostrar que o espaço em questão abriga solitários como o senhor que aluga um quarto só para si, para passar um tempo sozinho se divertindo, se conhecendo, se olhando nu no espelho, dormindo em uma cama que não a dele. Rachel Ellis é uma diretora brasileira/britânica de Recife e já produziu longas premiados como “Doméstica”, “Boi Neon” e “Divino Amor”. Eros foi exibido na 27a Mostra de Cinema de Tiradentes e foi um dos brasileiros selecionados para o Festival Internacional de Documentários de Copenhagen.

Nota

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