Yunan | 2025

Aqueles que já experimentaram, em algum nível, sintomas ansiosos ou depressivos, conhecem bem os sinais do corpo que se manifestam, de forma descontrolada, para enfrentar uma situação de perigo que materialmente inexiste. O corpo se defende daquilo que a mente produz como risco, que é imaterial, mas assombroso tal como uma ameaça física. Esse sistema instintivo e defensivo atua, na mesma medida, de forma protetiva e destrutiva. A destruição vem na forma de ciclo de ataques de pânico, aumento do ritmo cardíaco, da pressão arterial, sudorese e pensamentos de morte, que vão confundir-se a doenças físicas que jamais serão descobertas ou diagnosticadas quando não se procura o auxílio do profissional correto.
Yunan, coprodução da Alemanha, Canadá, Itália, Palestina, Catar, Jordânia e Arábia Saudita, dirigida pelo ucraniano de origem síria Ameer Fakher Eldin que integrou a mostra Competitiva da 75ª Berlinale, vai despejar o enorme fardo da depressão e o modo como ela se manifesta em seu protagonista Munir (Georges Khabbaz), um silencioso homem de meia idade, cujas poucas palavras não conseguem manifestar o que sente, fazendo com que o corpo fale por ele. Munir tem frequentes ataques de pânico refletidos pela respiração curta e ofegante que surge repentinamente e que o desespera, o fazendo buscar médicos que atribuem seus sintomas ao estresse. A câmera que passeia por sua mesa de trabalho vai dar, outrossim, os sinais que ele não diz: desorganização, sujeira, álcool e cigarros tomam conta do ambiente. Durante o sexo, ele não consegue gozar. Resolve, então, partir em viagem para uma ilha remota para isolar-se, lá encontrando, na hospedaria que ele não consegue vaga por ausência de reserva prévia (muito embora o local estivesse vazio), a figura enigmática de sua dona, Valeska (Hanna Schygulla). Entre eles, a relação que nasce do estranhamento e da agressividade mútua vai transformando-se numa amizade silenciosa que se manifesta gestualmente para, aos poucos, revigorar a força de Munir.
É um tanto curioso (e falo com propriedade) que a mente ansiosa ou depressiva encontre algum tipo de cura ou, minimamente, apaziguamento, submetendo-se a situações, justamente, de risco, das quais o corpo tanto se defende. Yunan vai inserir seu protagonista, um homem urbano, em uma ilha que precisará ser evacuada em razão de uma tempestade que elevará o nível da água e a fará flutuar. Coloca-o em meio a um campo rodeado por vacas que o encaram, numa cena que impressiona por sublinhar a fragilidade daquele homem em meio a animais que, se quiserem, podem sentir-se ameaçados e lhe atacar. Lidar, portanto, com forças da natureza que ele não controla, faz parte de seu processo restaurativo, pelo qual ele vai passando sem sequer perceber. Esse homem, já interiormente solitário, vai apartar-se da sociedade para, em seu isolamento, redescobrir-se na natureza hostil e no contato humano e cultural inesperados e diferentes do seu.
Do ambiente desolador, frio e cinzento, serão extraídos afetos e calor humano. Do retiramento, aprende-se novamente que as coisas boas da vida são de graça e, geralmente, estão relacionadas ao outro. Munir redescobre, em que pese num local onde sua origem árabe o destaque dos demais, que acolhimento e pertencimento vão atuar em benefício de seu processo de cura. Yunan, em sua íntegra, é todo a própria representação imagética e contemplativa das perturbações de seu protagonista, e sobretudo, daquilo que funciona para ele como calmaria. O reaprender a respirar, típico do movimento meditativo, vai não só controlar os ataques de pânico, mas também ditar o tom fílmico, que é pertinentemente lento, tal como os passos inseguros de seu personagem.
As trocas masculinas que Munir vai exercer no seguimento de sua jornada refletem parte fundamental daquilo que ele encontra como pertencimento. Para além do contato com Valeska, o personagem encontra, na ilha, durante o isolamento dentro do isolamento que é o lugar seguro contra a tempestade, outros homens, a incluir Karl (Tom Wlaschiha), filho daquela que o acolhe. Beber em conjunto e fazer brincadeiras de disputa tipicamente masculinas, como a luta, vão servir, nota-se, apenas como escusa para o toque físico e para o afeto.
Munir não é um livro aberto. As causas de sua depressão e pensamentos suicidas, se é que existem, não nos são e nem precisam ser reveladas frontalmente. Ameer Fakher Eldin vai, primordialmente, deixar que as imagens falem por si e por seu protagonista, o que é, inclusive, um tanto respeitoso com ele e suas necessidades. Valeska vai, de algum modo, representar uma função dúbia que, ao mesmo tempo que constroi certa tensão sexual, vai agir como a figura materna, em contraponto à relação que Munir, presumimos, mantém de forma conflituosa com sua mãe biológica, que o assombra através de um conto, cuja representação o diretor vai mostrar paralelamente ao trâmite narrativo.
O silêncio do protagonista é um contraponto ao seu barulhento estado mental, que é, tal como na imagem, refletido em Yunan através do som exterior. O ambiente urbano infernal e o excesso de estímulos agem como causadores da doença, enquanto que a ilha, muito embora tempestuosa ao seu modo, vai, com ruídos naturais como o vento e as ondas do mar, paulatinamente acalmando suas perturbações. Se Yunan funciona como a transformação do estado mental e de espírito de Munir, é bonito e tocante que ele encontre seu desfecho num ato muito físico e motivado, justamente, pelo som: uma canção, que fará surgir o sorriso, o relaxamento e a dança libertadora.